Poema: "Já que coragem é uma palavra escura" - De Gabriele Lameira

Meu nome é Gabriele Lameira, eu tenho 17 anos, moro na Zona Oeste do Rio de Janeiro e agora participo da coluna de arte marginal do coletivo Black Panther DNA, com muito prazer. Eu sempre escrevi muito e sempre fui um tanto extrovertida, mas isso não impediu que eu criasse um certo tipo resistência em mostrar aos outros o que eu escrevo. Talvez porque, mesmo escrevendo sobre assuntos comuns na vida de qualquer jovem negro, periférico, carioca, escrevo sobre assuntos delicados que só se tornam "comuns" devido à banalização do sofrimento desses mesmos grupos sociais que eu faço parte. Mas é chegada a hora de compartilhar...

"Já que coragem é uma palavra escura

Sabedoria e evolução
Enchendo a mente de referência
E o peito de inspiração
Poesia e canção
Vice e versa
Pois não importa a ordem dos fatores quando o produto é o verso
E assim, minhas mágoas eu re(verso):
Da cabeça pro papel, e do papel pra cabeça.
Vai, me diz agora que eu não sei pegar num lápis
Se escrevi tanto de mim,
Que até minhas rimas saíram crespas...
E eu fui demais pro teu padrão salon line
Ódio demais pras tuas guerras online
Rancor demais pra que a paz se instale
Já que UPP, nunca foi sinônimo disso 
E como no rap, daqui do morro ouço as balas fazendo freestyle.
Perdidas, como alguns MC's
E atingindo pretos, como bons MC's 

PM é Cosme e Damião, resisti
Mesmo que pra criança preta fosse outro tipo de bala
Favela treme, vulcão, senti
Que nessa erupção meu sangue 
Que escorreria feito lava.
E a balança da justiça segue desequilibrada
No balanço da injustiça, eles prendem Rafael Braga
Os neguinho aqui ainda é plantação, morrendo sem saber quem são as pragas

Plano bizarro de controle de natalidade
Saquei teu plano, é descontrole de "matalidade"
Reclamam que as mina aqui tem muito filho
Mas nunca vi reclamar quando os canas sobem matando a metade
Se apropriaram até da cor dessa cidade,
Do canto da cidade,
Mas o gueto, a rua e a fé ainda sou eu
E enquanto for assim
Vocês terão de acostumar com a nuvem negra
Se contentando com os dias ou não que nós choveu
Terão ainda de se curvar aos deuses nascidos no gueto
Lembrar que a Terra é azul, mas o mundo... Ah, o mundo é preto!
Sigo sem sorte e sem amuleto
Sem norte, sem medo
A coragem sempre foi uma palavra escura
Não quero moleza, mas cansei dos anos de vida dura
Trezentos de açoite
Nenhum de reparação
E os capitão do mato ainda nos caçam na noite
Noite preta e calada
E desfaz o silêncio 
O barulho das rajada 
E é o meu pedido de socorro que cês acha extremista?
Racismo é loucura
E cês são o médico do alienista."

1 comentários

  1. É incrível ler isso e saber um pouco sobre a história de quem o fez, eu sempre pensei que assim o peso se torna maior. Ainda que o fragmento que conheço da história de lameirão seja tão infinitamente pequeno,ele consegue torna tudo tão mais lindo e puro.
    Gabriele, que poema! Que força que você tem nas mãos, na boca, nos cabelos e na sua cor.

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