Banzo: nossos laços ultrapassam fronteiras




Hoje o dia amanheceu chuvoso, meu pai falou que choveu a madrugada inteira mas eu tenho sono pesado e nem percebi, porém eu jurava que hoje seria um daqueles dias ensolarados, e até que foi mas a chuva não parou. O sol apareceu, mas a chuva insistia em tomar protagonismo no céu. Hoje o dia amanheceu cinza fora e dentro de mim (e não só de mim).

Como pode o sentimento de melancolia tomar conta de pessoas tão diferentes e tão semelhantes? Como pode minhas lágrimas quererem se apresentar no mesmo dia que o de tanta gente? 

2017 foi um ano complicado, foi um ano de muito ganho e de muita perda. Eu perdi meu tio no começo do ano, ele falava que eu era muito inteligente e que torcia por mim, quando ele se foi nunca vi meu pai chorar tanto, e olha que ele é bem emotivo. Eu perdi meu tio mas não chorei mesmo indo em sua casa e sentindo falta de quando ele pegava no meu rosto e me chamava de "Pryscilinha" mesmo eu sendo mais alta que ele, eu não chorei vendo meu pai chorar, eu não chorei, sabe? Eu sou uma pessoa que chora com certa dificuldade porque eu seguro muito coisa, mesmo sabendo que não me faz bem, mesmo sabendo que está tudo bem chorar as vezes, tudo bem doer. Mas as vezes dói muito, dói tanto que tentar ignorar chega a ser ato de sobrevivência e tentativa de manter a sanidade mental - não que eu tenha muita.

Uma preta falou de "banzo". Eu nem sabia o que era isso, e graças ao Google eu obtive respostas, mas só sobre o significado porque o sentimento em si eu sempre soube, eu sinto desde o começo do ano, eu sinto desde que meu tio foi embora e eu vi meu pai chorar. Banzo era o nome dado a melancolia dos africanos escravizados quando algum dos seus partia propositalmente ou não,ele era visto da mesma forma como a depressão é vista hoje, como uma doença. Eles não comiam, produziam menos, não falavam, eles sentiam a partida daquele que era seu semelhante.
2017 foi o ano do banzo, foi o ano da melancolia do povo preto por ter perdido tanta gente, ou foi a melancolia acumulada que explodiu em tanta perda, foi o ano que eu chorei por pessoas que eu não sabia o nome mas doeu tanto, mas tanto, que eu não consegui guardar.

Banzo me fez lembrar de uma fala de uma palestra que eu fui semana passada, uma mulher preta falou que nossos laços são ancestrais, que sentimos a dor e alegria dos nossos semelhantes porque nós temos histórias em comum. Seria a dor uma maneira de nos unir?
Eu tenho uma dúvida que faria aos meus antepassados se tivesse uma máquina do tempo, e depois do banzo? Como reconstruir e recuperar as forças que já não são tão fortes assim? Como voltar a produzir e a sorrir e a rir de piadas sem graças no meio da praça sabendo que sempre vai faltar alguém sorrindo? A melancolia trazida pelo banzo, a forma de protesto em não comer, não sorrir, não falar, passou ou entramos numa era melancólica desde aquela época?
Seria o Banzo, assim como o Dengo, a forma mais preta e mais pura de sentir?

Eu normalmente escrevo pra responder questões, então perdoe-me pelo excesso de pontos de interrogação, mas eu queria mais respostas tirando as minhas porque eu sinto que tenho algumas delas. Banzo é a prova de que ainda estamos ligados e de que ainda dói na gente a dor no outro, de que mesmo com todo esse embranquecimento e colonização, até dos sentimentos, nós ainda sabemos mesmo que inconscientemente a nossa dor. A gente sabe porquê dói, sabe? A gente sente. O ubuntu ainda existe, nós somos porque nós somos.


Ass; Pryscila








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