Ditadura brasileira perseguiu até Bailes Black no Rio de Janeiro

Documentos da DOPS, do antigo Estado da Guanabara, informavam que integrantes da repressão estavam investigando os bailes black por causa do uso da expressão “black power”, utilizado principalmente pelo movimento negro dos EUA.

Jovens dançam nas ruas do subúrbio do Rio de Janeiro.


Quem tem medo do povo preto?


Em 1970, os bailes black começavam a invadir os clubes do subúrbio do Rio de Janeiro. Os bailes black reuniam pessoas para curtirem músicas que, com a ausência da internet, só eram possíveis de serem ouvidas durante os bailes. Era a explosão do Soul no Rio de Janeiro, que ficou conhecido como movimento Black Rio.

Segundo o Jornal O Globo, A Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-RJ) encontrou documentos que provam que a repressão estava perseguindo os bailes porque acreditava-se que “um revolucionário americano estaria no Brasil recrutando militantes para implementar no país um regime de segregação racial.”

Dom Filó, criador do Soul Grand Prix, equipe que se aproximou fortemente do movimento Black Power americano, chegou a ser apontado como um potencial líder de uma revolta negra.

O Dom Filó era um cara muito politizado e carismático. Naquela época, 80 % dos negros não opinavam nada politicamente. Quando viram aquele bando de negão dançando junto, com aquelas roupas e cabelos, os militares perceberam que se nasce um líder ali no meio ia dar uma grande m… para o governo. Foi aí que eles passaram a perseguir os blacks. A perseguição tirou a força do movimento. O melhor momento musical da humanidade é a música negra do final dos 60 ao inicio dos 80”, opina DJ Marlboro. “É que nem o futebol da época de Pelé e Garrincha. Infelizmente, houve uma interrupção no desenvolvimento da música black brasileira, por conta da ditadura. Mas temos o Tim Maia e tantos outros talentos incríveis — explicou DJ Marlboro para Pedro Schprejer

Em 1978, um relatório da Polícia Federal do Rio Grande do Sul, recomendou o uso da Lei de Segurança Nacional contra “ tentativas subversivas de exploração de antagonismos raciais”.

Analisar a perspectiva racial da repressão é uma matéria curiosa. Antônio Viçosa, delegado da polícia civil, enviou um ofício ao diretor do Departamento Geral de Investigações Especiais, logo após o Jornal do Brasil exibir uma matéria onde falava sobre o movimento conhecido como “Black Rio”, em 1976. Nesse documento Viçosa escreveu:


“Em nosso país sempre houve harmonia entre brasileiros, independente de raça ou religião . A miscigenação— branco, preto, índio — segundo Gylberto Freire em “Casa Grande e Senzala”, é um privilégio”

Em uma análise racial rápida, percebemos que a ditadura brasileira trabalhou em cima do mito da democracia racial, assim acreditando que, no Brasil, não existia racismo e então não tinha o por quê lutar contra essa opressão. E, sendo assim, a existência de bailes black era uma ameaça a essa tal “democracia racial”.

Em 1970, o Serviço Nacional de Informação reuniu um dossiê intitulado “Racismo Negro no Brasil”, com informações trocadas pelos órgãos da repressão, além de matérias, panfletos e outros anúncios de bailes black. Com esse dossiê, é possível perceber que eles acreditavam que, como no Brasil não existia racismo, lutar contra essa opressão era uma forma de racismo contra brancos. Também é possível perceber que a repressão acreditava que o “movimento comunista internacional” estava se aproveitando do assunto “racismo” para se “infiltrar”.

Segundo o jornal O Globo, um informe de fevereiro de 1975, enviado pelo I Exército aos órgãos de informação alertava que: “um grupo de jovens negros de nível intelectual acima da média, com pretensões de criar no Brasil um clima de luta racial”. E mencionava que, supostamente, uma das metas do grupo era: “ Sequestrar filhos de industriais brancos; criar um bairro só de negros; criar ambiente de aversão aos brancos”.

Em 1976, Dom Filó, criador do Soul Grand Prix, foi sequestrado, levado para a DOI-CODI e colocado sob tortura psicológica. José Fernandes, frequentador dos bailes black e morador da Rocinha, foi torturado por uma semana em um quartel na Avenida Brasil.

Em testemunho para CEV-RJ, o ex-presidente do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras, Januário Garcia, falou sobre o por que os bailes eram perseguidos pela repressão:

Mas aí o que que acontecia no baile? O que que chamava atenção das forças de repressão? É que o baile estava comendo solto, mas estava comendo solto mesmo, o baile estava no maior embalo, quando estava no maior embalo, parava tudo. Parava tudo, parava música, parava tudo. Subia um negão, pegava o microfone e fazia o maior discurso contra o racismo, contra a ditadura, contra a repressão, sabe? E aí todo mundo parava no baile e ficava todo mundo assistindo. E aí: ‘Cai na caixa!’, e começava tudo de novo. Então, a gente parava o baile três, quatro vezes para fazer isso, está entendendo? E isso assustava porque a garotada estava se ligando, se ligando, né.

A afirmação racial que acontecia dentro dos bailes blacks incomodavam a repressão. Ali, além de muitos formarem o orgulho de ser preto, também nasceram líderes do movimento negro brasileiro.

É importante analisarmos, racialmente, fatos históricos no contexto brasileiro. Grupos oprimidos sofreram represálias para além da Zona Sul e universitários brancos que lutaram contra a ditadura. Os bailes black, por exemplo, sofreram a repressão sem ao menor ter a intenção de lutar contra o regime do Estado. Sofreram repressão por serem negros, terem orgulho da cor e dançarem animadamente. Em outras palavras, a ditadura teve medo dos pretos, não por eles serem grandes revolucionários , mas pelo o que eles poderiam vir a ser. O medo da pele preta é historicamente conhecido mas, dentro da ditadura, ainda era desconhecido. Mas uma pergunta nos enche a cabeça: Quem tem medo do povo preto?




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