APROPRIAÇÃO CULTURAL



Há muito tempo eu venho pensando em fazer ou não um texto sobre apropriação cultural. Se eu ganhasse 1 real a cada vez que alguém viesse no meu inbox pedindo pra discutir o caso eu estaria discutindo o caso com a pessoa em Nova York. Eu estava bastante receosa em fazer esse texto porque queria e quero evitar problemas pro meu lado. Você não é obrigado a concordar comigo, mas eu acho que é necessário haver empatia pela causa alheia, sempre. Independente de qual seja.
Muitas pessoas me perguntam “Aretha você acha que apropriação cultural existe?” “Aretha, eu posso fazer isso ou vai ser apropriação cultural?”
Primeiro, apropriação cultural existe sim, mas no meu ponto de vista isso é uma consequência e responsabilidade principalmente da sociedade que a gente vive como um todo e não apenas do individuo único que fez e usa determinadas coisas. A gente vive em uma sociedade que sempre institucionalizou e padronizou uma estética branca europeizada. Ou seja, nós temos uma cultura dominante. Além disso, existe todo o motivo do capitalismo estar diretamente envolvido no que diz respeito à apropriação cultural. E segundo: você faz o que você quiser da sua vida, Deus nos deu o livre arbítrio pra isso mesmo, quem sou eu na fila do pão pra te julgar? NO ENTANTO, como eu já disse antes, é necessário ter consciência da cultura que você está se apropriando.
Tem um vídeo da Amandla Stemberg que se eu pudesse eu obrigaria todo mundo assistir, e nesse vídeo ela fala uma frase simples e rápida de entender: “A apropriação cultural é quando uma cultura que sempre foi marginalizada passa a ser valorizada quando uma cultura dominante se apropria de tal”. Então aquele argumento de “Ah eu vejo muitas mulheres negras que alisam o cabelo e pintam de loiro então é apropriação cultural também.” Não. Não é.  Primeiro porque cabelo é uma característica do fenótipo e não cultura, e depois que o motivo pelo qual essa mulher negra alisou o cabelo e pintou de loiro, ou não,  foi justamente pra se adequar a uma cultura dominante. A cultura padrão. Essa mulher negra alisou o cabelo porque desde sempre ela aprendeu que o cabelo dela não era adequado nem bonito o suficiente. O cabelo natural dela não era aceito.
A questão da apropriação cultural é muito debatida no Brasil hoje em dia principalmente no que diz respeito ao uso das tranças e do turbante. O principal problema que acontece é que a cultura marginalizada só é valorizada quando ALGUÉM da cultura dominante usa tal acessório ou tal penteado, roupa etc. Então nem rola a questão de que “a cultura dominante ajuda a trazer visibilidade pra cultura esquecida”. Porque quando alguém negro, por exemplo, usa turbante ou tranças, ele ainda é apontado, julgado, humilhado por fazer uso de sua própria cultura, enquanto o contrario não acontece. Eu não estou dizendo que sempre é assim em todos os casos. Mas eu já ouvi muitos relatos de mulheres negras que já perderam o emprego porque as tranças que usavam “não se adequavam” ao ambiente de trabalho.
Um caso ótimo para ilustrar essa situação é o caso da fic da menina de Curitiba que supostamente tinha sido agredida por mulheres negras por usar turbante. Na época vieram perguntar o que eu achava disso e eu fiquei super “Meu deus se a menina vai usar pra se sentir mais bonita e ter forças pra superar a doença: só vai”. Foi um auê, todo mundo saindo em defesa da menina, vários textos e compartilhamentos no Facebook até descobrirmos que tudo não passava de uma bela mentira. Uns meses depois uma mulher negra foi na festa formatura de um amigo e foi agredida fisicamente e verbalmente justamente por usar o turbante. Eu não vi o mesmo tanto de textão saindo a favor da mulher nesse caso. Apenas observei esse rolê.

Há algumas semanas duas atrizes loiras fizeram tranças em seus cabelos. Isabella Santoni e Gabi Lopes. A primeira que eu vi com as tranças foi a Isabella Santoni. Eu fiquei meio sem entender a princípio, não sabia se era para um personagem ou não. Depois que eu stalkeei mais no instagram vi um vídeo dela enquanto fazia as tranças falando igual “nigga”. Foi ai que eu não entendi mais nada. Nos comentários, a galera exaltando as duas atrizes, li ate uma comparação entre a Gabi Lopes e a Beyonce em Lemonade (risos eternos). A Isabella Santoni nem se pronunciou sobre o caso. A Gabi Lopes deveria ter seguido a mesma atitude da amiga, uma vez que todos os comentários que eu vi vindo dela eram hipócritas, e eu me senti bem desrespeitada, uma vez que várias mulheres negras que comentaram NA BOA explicando sem xingamentos o porquê era considerado apropriação cultural o penteado, ela respondeu com ironias e mostrando uma falta de consciência muito grande sobre toda a situação. As tranças são simbólicas para nos mulheres negras. Representa resistência. Eu sempre usei tranças. E na época de colégio já me zoaram falando que era cabelo de plástico etc. Hoje, em mulheres como Gabi Lopes é exaltado, é lindo, é estiloso. Pra Gabi Lopes e Isabella Santoni as tranças só é moda e elas não se importam nem um pouco com quantas mulheres negras continuam sendo marginalizadas justamente por usarem tais. Lembrando que eu falo sobre as tranças e os turbantes e sobre outras questões relacionadas à causa negra porque têm a ver com situações que eu vivo. Mas existem varias outras culturas, não negras, que são apropriadas, mas eu não tenho domínio pra discutir e debater. Um exemplo disso é o Happy Holi, aquele festival de cores que é uma apropriação cultural da cultura indiana. Mais sobre isso você pode ler aqui (https://medium.com/@thaifloresceu/apropria%C3%A7%C3%A3o-cultural-holi-33a113fafc03)
Por fim, é isso, finalizo meu texto deixando claro que eu não estou aqui pra julgar uma pessoa branca que usa turbante ou não, que faz tranças ou não, mas eu acho importante e necessário cada um ter consciência do que está “se apropriando” e caso use fazer o que for possível pra desconstruir o preconceito e marginalização existente na sociedade atual.

Mais vídeos sobre esse assunto:



Por: Aretha Soyombo 


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