Poesia: "Favelado sem esculacho", por Matheus de Araujo

por MATHEUS DE ARAUJO

Fala sério: já fez um exercício de análise sobre a favela vendo ela desarmada? Já parou pra pensar em o quanto a favela é diversificada? Eu tenho esperança pois o mundo melhor brota a cada dia por lugares onde não se é visado. A favela é o quilombo do século XXI. A favela chora, a favela canta, a favela sofre, a favela vive e ela nunca morre, nunca morrerá. A favela sempre esteve no banco do jogo da democracia, já está mais que na hora de colocar ela em campo e perceber de vez onde está a solução. Quando o investimento maior for para ensinar e não matar, não iremos precisar brotar flor no lixão, e assim nascerá um novo jardim, até porque sementes aqui tem de sobra. Quando você ver a favela desarmada, vai perceber nossa força e vai perceber a ancestralidade carregada em cada sorriso de menó, e que o fardo do perigo não fomos nós que nos submetemos. Possuímos traços característicos, mas nunca se deve negar nossa pluralidade. Somos vida antes de ser favela. Ser favela é ter Mãe África no peito, é herdar toda força dos reis e rainhas passados, é resistência para matar o mal com um sorriso na cara e inquietação no coração. É o contrário da bomba relógio que os homens brancos colocaram aqui dentro. Ai você vai perceber que favela tem muito mais poder que a "comunidade" que querem te passar em cada telejornal. Todos os lugares do mundo são de todos por direito, mas aqui sempre vai estar em cada um que veio daqui, e ainda bem.


"Favelado sem esculacho

Olha as pipa pro alto
Faz parte daqui rapá
Esse aqui é especialmente meu lugar
Nem melhor, nem pior
Apenas diferente

Aqui nós se cobra
De domingo a domingo se desdobra
Alguns já tão de pé antes da luz
Se joga na resenha quando tempo sobra
Se no asfalto chegam de neurose
Nós tamo virando cobra

Revidando na outra moeda
Não jogamos sujo tipo eles
Somos o afronta que desce pela goela
Fazendo duas vezes melhor
Estando quinhentos anos atrasado

Papo de favelado fazedor
Tem de jogador a escritor
Arquiteta, engenheira, doutor, produtor
Qualificação em qualquer viela que for
Basta bater o olho da chance com amor
Porque de tanta dor, já basta rancor 
Tem até mina que representa na rima
Pra dizer que o centro de tudo não é a pica
E também aquele mano que diferente do passado
Nunca vai ser usado pra serventia

Consegui uma das poucas vagas
Eu era a carne agora sou a própria navalha
E te prepara
Nós tamo invadindo tua praia
Que nunca foi só tua
O rolezin tá só começando
Os menó vão ter decência e portar uns pano
Podemos fazer um jogo complexo
Mas o papo é direto e reto
O fuzil que sempre invade nunca foi discreto
Então que os nosso pivete incomode da melhor forma
Ocupando desde as quadra até as escola
Tirando de quantos puder o fardo de pedir esmola

Já passou da hora de criar compreensão
Custa entender que aquele rio é o tal valão?
Nosso macete é a união
Somos sinistro em traficar informação
Se tio fala mal é sinal que nós é bom
Porque se nós não fosse nada tio não falava não
Entre a ternura e a brutalidade
Permanece a sagacidade
Não adianta trocar favela pra comunidade
Ir de operação homicida até conquista é nossa malandragem

Somos tudo favelado
Mas sem esculacho
Se não respeita o meu legado
Passamo o cerol e cortamo tua linha
Teu preconceito sai avoado
Pega a visão da favela descendo
Aquelas tropas que tombam uma babilônia por dia
Que fazem encher a maré até afogar tudo que é racista

Se liga que aqui é cria."


Foto retirada da internet
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