O Mulherismo Africana dentro do Partido dos Panteras Pretas

O Partido dos Panteras Pretas, uma organização nacionalista preta REVOLUCIONÁRIA, como assim gostavam de se afirmar, foi uma das maiores organizações de combate ao racismo e exploração, nas décadas de 60. Entre seus membros, 2 terços eram formado por mulheres pretas, que eram a base do partido,  principalmente dos programas sociais desenvolvidos por eles, apesar disso, a organização sofreu com o sexismo, como foi levantado por muitas panteras, sendo a mais conhecida nesse assunto a Elaine Brown, que chegou a ser presidente do Partido e escreveu o livro “A Taste of Power: A Black Woman's Story”, porem, muitas outras mulheres, também expuseram a questão de gênero dentro do partido.


Kathleen Neal Cleaver, ex pantera preta em seu texto Women, Power, and Revolution (1998) – Mulheres, Poder e Revolução, traz apontamentos importantes, que podemos ligar ao posicionamento e pensamento de Regina Jennings, também uma ex pantera preta.

“Às vezes, durante uma sessão de perguntas e respostas depois de um discurso que eu dei, alguém perguntava, “Qual é o papel da mulher no Partido dos PanterasPretas?” Eu nunca gostei dessa pergunta. Eu dava a resposta curta: “É o mesmo que o dos homens.” Nós somos revolucionários, eu explicava. Naquela época, eu não entendia por que eles queriam pensar o que os homens faziam e o que as mulheres faziam como separados. Levou-me anos, literalmente cerca de vinte e cinco anos, para entender que o que eu realmente não gostava era a a suposição escondida motivando a pergunta. A suposição sustentava que ser parte de um movimento revolucionário estava em conflito com o que o entrevistador foi socializado a acreditar ser uma conduta apropriada para uma mulher. Essa concepção complexa nunca entrou na minha cabeça, embora eu esteja certa de que ela era muito mais amplamente aceita do que eu jamais percebi.

Hoje em dia, as perguntas são mais sofisticadas: “Quais eram as questões de gênero no Partido dos Panteras Pretas?” “O Partido dos Panteras Pretas não era sexista?” Etc., etc., etc. Mas ninguém parece colocar a questão que eu tinha: Onde eu posso ir para me envolver na luta revolucionária? Me parece que parte da gênese da questão de gênero, e isto é apenas uma opinião, reside na maneira como ela desvia a atenção de confrontar a crítica revolucionária que nossa organização fazia da ampla sociedade, e a volta internamente para olhar que tipo de dinâmicas e conflitos sociais caracterizavam a organização. Para mim, essa discussão é muito menos atraente do que a que envolve os meios que planejamos para lutar contra as dinâmicas opressivas e conflitos sociais que o conjunto maior da sociedade nos impunha. Não muitas das respostas para as “questões de gênero” levam em consideração o que eu experimentei. O que eu li ou ouvi como respostas geralmente parecem responder a um modelo particular de inquérito acadêmico que exclui o que eu acredito ser central: Como você empodera um povo empobrecido e oprimido que luta contra o racismo, o militarismo, terrorismo, e machismo? Quer dizer, como você faz isso? Essa é a verdadeira pergunta. Minha geração se tornou consciente durante um período de profunda turbulência mundial, quando a guerra do Vietnã e incontáveis insurgências na África, Ásia, e América Latina desafiaram o controle dos recursos do mundo pelas potências capitalistas. Elas enfrentavam uma enorme investida. Aqueles dentre nós que foram atraídos para o recente Partido dos Panteras Pretas eram apenas mais um grupo insurgente de jovens homens e mulheres que se recusaram a tolerar a violência e abuso sistemáticos sendo distribuídos aos negros pobres, negros de classe média, e quaisquer negros idosos comuns. Quando olhamos para a nossa situação, quando vimos violência, péssimas moradias, desemprego, educação podre, tratamento injusto nos tribunais, bem como ataques diretos da polícia, nossa resposta foi nos defendermos. Nós nos tornamos parte daquela investida contra as potências capitalistas.

Num mundo de polarização racista, nós buscamos solidariedade. Nós chamamos por poder preto para o povo preto... As mulheres que compunham as fileiras da nossa organização não tinham papéis sexuais especificamente designados. Algumas mulheres trabalhavam no jornal, como Shelley Bursey, que se tornou uma grande resistente no júri quando foi presa por se recusar a responder uma das investigações sobre o jornal do Partido. Algumas de nós, como Ericka Huggins, viram seus maridos assassinados, e então foram presas elas mesmas. No caso da Ericka, ela foi encarcerada junto com Bobby Seale e a maior parte da seção de New Haven sob acusações de conspiração para homicídio. Ela foi absolvida posteriormente, mas imagine o que acontece a uma organização quando catorze pessoas são presas de uma vez sob acusações capitais. Isso não deixa muito tempo para organizar, ou ter uma vida familiar. Talvez esse fosse o tipo de pressão que eles esperavam que nos forçasse a desistir.

Eu criei a posição de Secretária de Comunicações, baseada no que eu vi Julian Bond fazer no SNCC. Eu enviei comunicados de imprensa, eu tinha fotógrafos e jornalistas para publicar sobre nós, eu escrevi artigos para o nosso jornal. Eu concorri a um cargo político na legenda do Peace and Freedom Party, contra o incumbente representante Democrata do estado — que, aliás, era Willie Brown (agora prefeito de São Francisco). Nós publicamos um cartaz da campanha no jornal Pantera Negra, que era um desenho de Willie Brown com a sua boca costurada, seu corpo amarrado com uma corda. A legenda dizia: O posicionamento de Willie Brown na Guerra do Vietnã, presos políticos, e racismo, você pega a ideia. Nós éramos imaginativos na nossa abordagem à organização política. Matilaba [J. Tarika Lewis], uma das primeiras mulheres membras dos Panteras Negras, publicou desenhos no jornal junto com Emory Douglas. Connie Matthews, uma jovem jamaicana que trabalhava para a ONU em Copenhague, conheceu Bobby Seale quando ele foi para lá em visita, se juntou ao Partido, e se tornou nossa Coordenadora Internacional. Assata Shakur, que ingressou na seção de Nova York, mais tarde foi condenada pela morte de um policial estadual depois de um tiroteio na rodovia de Nova Jersey no qual ela saiu ferida e outro Pantera, Zayd Shakur, foi assassinado. Temendo ser morta, ela escapou da prisão, viveu na clandestinidade por um tempo, e no fim recebeu asilo em Cuba. De fato, segundo uma pesquisa feita por Bobby Seale em 1969, dois terços dos membros do Partido dos Panteras Pretaas eram mulheres. Eu tenho certeza que você está imaginando, por que esta não é a imagem que você tem dos Panteras Pretas? Bem, pergunte a si mesmo: de onde veio a imagem dos Panteras que você tem em sua cabeça? Você leu aqueles artigos plantados pelo FBI no jornal? Você ouviu os âncoras que anunciavam o que eles decidiram ser significante (geralmente quantos Panteras foram presos ou mortos)? Quantas fotos de mulheres Panteras você viu? Pense nisso: quantos fotógrafos de jornais eram mulheres? Quantos redatores de jornais eram mulheres? Quantos âncoras eram mulheres? Quantos produtores de televisão eram mulheres? Quantos editores de revistas, livros, jornais? Quem estava tomando as decisões sobre quais informações circulariam, e quando essa decisão foi tomada, quem você acha que eles decidiram apresentar? É possível, e esta é só uma pergunta, que a realidade do que estava realmente acontecendo dia a dia no Partido dos Panteras Pretas fosse bem menos noticiável, e fornecesse nenhuma justificativa para a campanha de destruição que as agências de inteligência e a polícia travavam contra nós? Será que as imagens e histórias dos Panteras que você viu e ouviu foram orientadas para algo diferente de transmitir o que realmente estava acontecendo?

O que eu penso ser característico sobre as relações de gênero no Partido não é como elas duplicavam o que acontecia no mundo ao nosso redor. Na verdade, aquele mundo estava extremamente misógino e autoritário. Isso é parte do que nos inspirou a lutar contra ele. Quando as mulheres sofriam hostilidade, abuso, negligência e agressão — isso não era algo que surgisse das políticas ou estrutura do Partido das PanterasPretas, algo ausente do mundo — isso era o que estava acontecendo no mundo. A diferença que estar no Partido fez foi que ele colocou uma mulher em uma posição quando tal tratamento ocorria para contestá-la. Eu sempre vou me lembrar de um mini-julgamento específico que aconteceu em uma de nossas reuniões. Um membro do Partido foi acusado de estuprar uma irmã, que estava de visita da seção de Los Angeles, e ele foi votado para sair do Partido na mesma hora. Bem ali na reunião. Em 1970 o Partido dos Panteras Pretas assumiu uma posição formal na libertação das mulheres. O Congresso estadunidense fez qualquer declaração sobre a libertação das mulheres? O Congresso permitiu que a Emenda de Direitos Iguais se tornasse parte da Constituição? A polícia de Oakland emitiu uma posição contra a discriminação de gênero? É neste contexto que as relações de gênero — um termo que nós não tínhamos naquela época — no Partido dos Panteras Pretas deveriam ser examinadas. Eu penso ser importante colocar as mulheres que lutaram contra a opressão como Panteras Pretas junto com a longa tradição de lutadoras da liberdade como Sojourner Truth, Harriet Tubman, Ida Wells-Barnett, que encararam um mundo inteiramente opressivo e insistiram que sua raça, seu gênero, e sua humanidade sejam todos respeitados ao mesmo tempo. Não destacados, cada um em separado, mas todos ao mesmo tempo. – Cleaver, em Mulheres, Poder e Revolução.

Regina, após escrever um capitulo para o Livro The Black Panther Party (reconsidered) publicado em 1970 onde explica os motivos e o sexismo sofrido no partido, esclarece que ela entrou nos panteras por questões de raça e não de gênero, como podemos observar:
“Eu vi o racismo como o assalto número um aos negros. Embora os Panteras tivessem uma adesão predominantemente masculina, não me senti menos excluída. Por um lado, Kathleen Neal Cleaver foi promovida como Secretária de Comunicação do Partido, e sua imagem apareceu em cartazes junto com os de Huey Newton e Bobby Seale. Como observa Hudson-Weems, a escravidão igualou a opressão para homens e mulheres negros. Por isso, eu sempre testemunhei homens e mulheres trabalhando juntos em toda a minha comunidade e levantei esse entendimento para essa organização em grande parte masculina. Pessoalmente, fui cruelmente vitimada pelo racismo, e eu presenciei que a polícia violava a humanidade de homens e mulheres negros. Então, quando retive meus direitos no final da década de 1960, Levantei toda a minha raça, não apenas para mim como mulher. Quando eu lutei com o sexismo no Partido, eu ainda mantive minha profunda preocupação com os homens negros, pois eles nunca se tornaram meus antagonistas para sempre, enquanto tentava redirecionar seus pensamentos e energias dolorosamente. É por estas razões que a mulher feminina africana destaca meu comportamento quando examino minhas experiências com a América branca e o Partido das Panteras Pretas.
Hudson-Weems coloca o meu ethos e comportamento em contexto, argumentando um conceito que Garvey uma vez articulou como "raça primeiro". Ela escreve:
Africana Womanism é uma ideologia criada e projetada para todas as mulheres de ascendência africana. Baseia-se na cultura africana e, portanto, enfoca-se necessariamente nas experiências, lutas, necessidades e desejos únicos das mulheres Africana. -  Regina Jennings

É importante destacar que mesmo lutando contra o sexismo, vindo de seus próprios irmãos, tanto Kathleen, quanto Regina (e tantas outras panteras) entenderam a questão de estar como um povo e resolver seus problemas enquanto povo também, assumir a tarefa de lutar contra o sexismo, é assumir a tarefa de lutar contra toda a opressão sofrida pelo nosso povo, o Mulherismo Africana nos da base e nos propõem isso, que possamos nos curar desse mal, e nos fortalecer. Homens e Mulheres pretas JUNTOS! 

Painel com algumas mulheres do Partido dos Panteras Pretas.
Foto tirada no lançamento do livro: Escritos de Assata Shakur, da Organização REAJA. 

Segue o Capitulo do Livro: The Black Panther Party (reconsidered)

Uma reflexão Mulherista Africana
Regina Jennings

Em Mulherismo Africana (Womanism Africana), a professora Clenora Hudson-Weems fornece um quadro teórico útil para explicar por que me juntei ao Black Panther Party em 1968. Como criadora do conceito "Mulherismo Africana", ela cita o racismo como o desafio dominante para os negros. Ela sustenta que as mulheres negras têm historicamente subordinado suas próprias necessidades no interesse da família e da comunidade. Quando fiquei interessada no Partido dos Panteras Pretas aos dezesseis anos, conheci intimamente o racismo e a brutalidade policial, mas não conheci nem entendia o sexismo. Fui criada, como a maioria das mulheres negras dos anos 50 e 60, que era para aceitar o domínio masculino e para me ajudar com os homens. Entrei no Black Panther Party porque queria ajudar a esmagar o racismo na América. Eu me juntei aos Black Panthers, porque era a única organização que enfrentava diretamente a América branca sem implorar nem levar sinais de igualdade e justiça. Eu respeitava e admirava sua imagem ousada. No entanto, depois de estar no partido, experimentei e reconheci a existência de um duplo padrão para as mulheres. Alguns irmãos nas posições de liderança eram sexistas. Este foi um problema que foi deixado sem controle e enfraqueceu a base do Partido dos Panteras Pretas.
Em 1968, ainda na minha adolescência, peguei um avião tardio da Filadélfia para Oakland, Califórnia, para participar do Black Panther Party. Como uma fugitiva desde a idade de quinze anos, testemunhei a brutalidade policial vulgar  e fui  vítima de racismo no meu primeiro emprego, eu estava pronta para me tornar uma Pantera. A sua mística - as calças pretas, casacos de couro, boinas, armas e suas conversas - agressivas e diretas - atraíam-me e milhares mais em toda a América.

Eu cresci na Filadélfia na década de 1960, onde eu regularmente vi a polícia fazer um "Rodney King" [1] sobre os negros. Participar de uma escola onde eu aprendi apenas sobre realizações brancas e vivendo em um ambiente onde os anciãos raramente discutiam o avanço do preto, eu cresci como uma jovem instável sem orgulho racial ou auto respeito. Quando trabalhei em um grupo de secretario de cerca de vinte mulheres brancas que deliberadamente se recusaram a falar comigo, experimentei o trauma do racismo branco. Eu nunca estive em torno de tantos brancos antes, e sua desumanidade literalmente me levou para a insanidade.


Eu caminharia para esta empresa e falei com cada pessoa da maneira como os negros sempre se falaram no meu bairro. No entanto, quando eu falei com eles, eles fingiram não me ver ou me ouvir. Tornei-me emocionada e perturbada e comecei a afundar de maneira terrível.  Uma mulher particularmente cruel recolheu dinheiro para refrescos. Todos os dias que coloquei meu dinheiro na minha mesa para recolher e ela não pegava, passava pela minha mesa com sua cabeça erguida e com desprezo. Isso me marcou e me machucou de maneira que eu acho difícil de expressar. Eu decidi pessoalmente colocar meu dinheiro em sua mão. Enquanto ela fazia as rondas rindo e conversando com todos os outros secretários, levantei-me da cadeira e fiquei em frente da minha mesa, com meu dinheiro quente na minha mão, esperei que ela viesse no meu caminho. Quando ela se aproximou do meu espaço, peguei a mão dela e ela pulou ao meu redor. Ao vê-la ir embora, fiquei humilhantemente congelada com a mão ainda presa.


Eu já sabia como lidar com armas; Eu vivia entre pessoas que desconsideravam a lei. Eu decidi igualar essa situação. Eu decidi que o assassinato era um recurso justo e equitativo. Durante este período, quando empilhava pistolas para o trabalho, assisti as notícias sobre Martin Luther King, Jr. na televisão. Eu vi seu povo sendo chicoteado por policiais como cães. Como eu planejei como tiraria essa mulher ofensiva do planeta, falei que seria com a mesma forma como os americanos brancos geralmente tratavam meu povo. Então, um dia vi o eloquente Huey P. Newton sendo entrevistado no filme. Ele foi acusado de matar um policial e ferir outro. Ele estava discutindo raça, sociedade, autodefesa e outros assuntos que eu não consegui compreender. Eu vi o maravilhoso Bobby Seale marchando com os Panteras, homens e mulheres com armas no coração do estado da Califórnia. Eu pensei que finalmente encontrei minha chamada.


Verão 1968
Eu cuspi na Filadélfia
Embarquei em um avião tardio para Oakland
Oakland Land de Huey Newton e Bobby Seale
Olhei para o céu da terra para baixo
A geografia de um mapa
Como o da classe Miss Somebody
Odiando escola, conselheiros, professores,
E livros de porão
Odiando o que o preto significava
Eu voei alto em correntes de nuvens gordas
Sabendo que eu aterraria em San Francisco e acenderia na Golden Gate Bridge [2]
Feio, maligno, sujo sub, sem turnos e escravidão
E assim como este avião atravessando nuvens
Como a neve
Eu estouraria
Os assassinos sem sangue
Dos negros


Panther Power

Entrei no Black Panther Party com um hábito de droga grave e com uma diretriz pessoal para matar pessoas brancas. Quando eu apareci pela primeira vez no quartel dos Pantera em Oakland, Califórnia, e perguntaram por que eu queria ser uma Pantera, eu disse: "Eu quero matar todas as pessoas brancas; por isso. "Eu estava vestida com minha melhor roupa de camurça e couro e estava vestindo uma peça de cabelo de cabaré mais pronunciada. O oficial do dia deve estar acostumado a todos os tipos de pessoas com razões ultrajantes para querer se juntar aos Panteras. Após minha explosão, ele tomou calmamente meu nome e número e disse que alguém iria entrar em contato comigo em breve. Eu imediatamente me tornei consciente de si mesmo - consciente de mim mesmo, das minhas roupas e dos meus cabelos - enquanto assistia os rostos negros pedregosos no ofício continuarem seu trabalho ao ignorar meu comentário.


Ao sair do escritório dos Panteras, me movi pela área da Baía, descobrindo o ambiente da Califórnia e a nova linguagem ligeiramente salpicada de acentos do sul. Os negros diriam: "Direito à irmã", quando alguém concordou com a retórica feminina. Durante a década de 1960, Oakland refletiu o movimento de poder preto que eletrizava o país. Afros grandes, os muçulmanos que vendiam sorvete preto e os cabeleireiros e barbeiros que abasteciam novos produtos para cabelos naturais eram comuns. Nunca me ocorreu enquanto eu estava glorificando na linguagem, na música e na estética do meu povo que eu estava sendo seguido. Quando os Panteras verificaram meus endereços de Filadélfia e Oakland, eles também me seguiram por mais de uma semana. Alguns pensaram que eu havia sido enviada pelo FBI, mas o capitão assegurou-lhes com o bom humor de Pantera: "Ela é muito estúpida para ser do FBI." Ele acreditava que minha capa e meus comentários muito honestos, muito altos e muito ridículos para ser serio.


Minha luta de viciada em drogas para soldada foi uma guerra pessoal duramente travada. Os Panteras, como muitas pessoas da comunidade negra, entenderam minha independência em drogas; e sob a liderança do capitão, eles me ajudaram gradualmente a abandonar o vício. O capitão me atribuiu tantas atividades, como ele fez a outras panteras, e nossos professores nos ensinaram tão vigorosamente sobre nossa importância para a nossa comunidade que comecei a me preocupar com aprender e entender a nossa situação com uma mente sem drogas. Nunca tendo gostado especialmente da história ensinada na escola, minha atitude mudou completamente no Partido. A maneira como os panteras professores ensinavam os novos recrutas, queria exibir livros de história. Eles nos ensinaram a partir de uma perspectiva afrocêntrica, segundo a qual as necessidades e os interesses dos povos africanos determinaram nossa percepção do mundo. Nunca tinha considerado pessoas negras como um assunto de conhecimento. Eu tinha ensinado apenas a reverenciar pessoas brancas como a origem do progresso mundial. Nós estudamos sobre as revoluções na China, Cuba e África. O vazio que eu usei com as drogas foi agora preenchido com um amor puro e nobre pelo meu povo.
Em Oakland, Califórnia, Os Panteras Pretas e a comunidade negra teve uma amizade amoroso. Nós os trouxemos, homens e mulheres negros dispostos a transformar a comunidade negra com programas sociais, para defender onde vivíamos e respiramos com nossas vidas. As pessoas nos trouxeram comida, alegria, garantias de esperança e companheirismo. Lembro-me de uma semana em que nosso escritório estava bastante vazio de comida, um cavalheiro entrou na sede com um enorme cervo preso em seus ombros. Fascinada, me arrastei perto de ver o veado, e enquanto eu olhava para seus olhos mortos, senti uma conexão. Eu pensei em Bambi, o filme de Walt Disney da minha infância. Eu pensei, "como alguém poderia matar e comer um cervo". Muitos dos irmãos eram caçadores, então eles cortaram a carne dos veados na parte de trás do escritório. Eu quase desmaiei.  Os panteras, homens em particular, riram da minha reação, mas depois que foi cozido, eu me recusei a comer a carne. Sabendo que eu estava com muita fome, alguns deles me perseguiram ao redor do escritório e me empolgaram para provar o cervo perfumado. Ironicamente, quando alimentamos crianças famintas, café da manhã, e depois distribuímos bolsas de mantimentos para os pobres, muitas vezes os próprios Panteras tinham pouca comida e certamente muito pouco dinheiro. Vivemos principalmente das vendas de jornal. Vendemos cada jornal dos Panteras por vinte e cinco centavos. Transformamos quinze centavos no escritório e mantivemos dez centavos para nós mesmos.


A maioria das pessoas conhece o programa de café da manhã para escola infantil fundado por Huey e Bobby e implementado pela base de dados. A liderança dos panteras exigiu que os empresários que tem loja na comunidade doem alimentos para o programa. Ensinaram-nos que as empresas que se beneficiaram da comunidade negra deveriam ajudar no desenvolvimento da comunidade. Panteras surgiam ao amanhecer para cozinhar e servir crianças com fome antes de frequentar a escola. Panteras também ficavam depois e limpavam a área onde os programas foram alojados. Nosso primeiro programa de café da manhã estava no porão da igreja de Santo Agostinho, pastoreada pelo padre Earl Neil.
O café da manhã gratuito para crianças da escola parece ser de conhecimento comum, mas as pessoas podem não saber sobre as danças que organizamos para os jovens de Oakland. Decoramos os centros comunitários, os salões ou os porões das igrejas com nossas cores: azul e preto. Pendurávamos flâmulas e luzes azuis e pretas e a parafernália da Pantera nas paredes. Nas tabelas de vendas (áreas de vendas), havia os cartazes e bottons usuais de nossos líderes nacionais, Kathleen Cleaver, Eldridge Cleaver (The Rage), Bobby Seale e Huey P. Newton. Nós, irmãs, tentamos assar bolachas e biscoitos, mas não fomos muito boas cozinheiras, e as pessoas da comunidade sabiam disso. Eles geralmente forneciam comida para nossas danças.


Alguns dos jovens imitaram nossas calças pretas, camisas com a pantera. Embora essa imitação nos tenha feito sentir bastante orgulho, tinha dificuldade em discernir os jovens de Oakland com os Panteras. Quando não estávamos na tarefa de guarda, nos encaixamos na pista de dança com uma outra comunidade ou com irmãos e irmãs. Às vezes, jovens do sexo masculino fazia um rap para nós, irmãs, enquanto estávamos dançando sob luzes azuis / pretas, e iríamos rir e exortá-los a participar da festa se eles queriam falar conosco. Os líderes masculinos locais do Panteras faziam discursos depois de jogar discos - Isley Brothers, Sly Stone, James Brown - e os jovens quase ouviam atentamente. Se eles se juntaram ou não à nossa organização, geralmente ganhamos simpatizantes da comunidade após nossos eventos.


Nunca conheci pessoas como os membros do Partido dos Panteras Pretas. Sua bravura e coragem me impressionavam. Alguns disseram que os Panteras estavam loucos, que queriam morrer. Não é assim, consideramos a nós mesmos como a vanguarda do exército deo povo preto, um exército que não é diferente da visão militar de Marcus Garvey. Compreendemos que era preciso pagar um preço pela liberdade na tradição de Harriet Tubman, Frantz Fanon e Malcolm X.


Além de estudar as revoluções em África e Cuba, estudamos o Livro Vermelho do Presidente Mao. O filme A Batalha de Argel foi o nosso tema de orientação; No entanto, no núcleo, nós éramos Afro-Americanos lutando com questões que pertencem diretamente ao nosso povo. Nossos líderes locais organizavam aulas de educação política regularmente para os Panteras e pessoas da comunidade, onde todos nós aprendemos sobre a natureza da América. No início da madrugada, antes do amanhecer, participamos de aulas de exercícios antes de irmos para várias igrejas para cozinhar e servir café da manhã para as crianças da escola. À noite, declamamos a poesia de Al-prentice "Bunchy" Carter, que junto com John Huggins, foi brutalmente assassinado por membros da organização US, liderada por Maulana Karenga. Também declaramos outras poesias das Panteras, além das preciosas palavras de Sonia Sanchez e Haki Madhubuti. Nosso objetivo principal de 1968-70, no entanto, era libertar Huey P. Newton. Nossos líderes planejaram e organizaram comícios amplos com diversos grupos ativistas negros, os Brown Berets, uma organização chicana; a Guarda Vermelha, uma organização asiática; e o Partido Paz e Liberdade, uma organização de radicais esquerdistas brancos.


Inicialmente, eu me recusei a trabalhar com os brancos do Partido da Paz e Liberdade, mas meu capitão me ameaçou com punição do Partido pela minha recusa inicial. A disciplina do partido implicou uma maratona de flexões ou bombeamento, X número de voltas ao redor do canto. Não esqueci nem o racismo dos policiais brancos nem o racismo dos meus antigos colegas de trabalho. Acreditando firmemente que odeiam  todos os negros, não vi nenhum valor ou sentido ao trabalhar com os brancos. Essa crença permaneceu sólida até que eu testemunhei os quão difícil alguns brancos trabalhavam as campanhas Free Huey. No entanto, sempre me perguntei e perguntei abertamente por que eles não estavam trabalhando de forma agressiva para resolver o racismo que existia dentro de suas próprias comunidades.


O capitão do East Oakland, um núcleo do Partido dos Panteras Pretas era bem respeitado pela liderança nacional do partido. Todos nós em East Oakland pensava nele como um amigo e, às vezes, como um pai. Nos prontamente entendemos que, para o nosso Partido, para ser eficaz, teriamos que seguir a ordem. Além disso, entre os anos de 1968 a 1970, todos sentimos os porcos se infiltrando na nossa organização. Os porcos estavam jogando truques sujos em nós através de comunicados/cartas e colocava um líder contra o outro e através de escutas. Ainda assim, não conseguimos discernir o que era real ou falso. Estávamos fortificando nosso escritório com força, contra vazamentos de agentes que se tornaram supostos simpatizantes.


Essa infiltração mudou o senso de normalidade que o ambiente do partido tinha. Nossa situação estava sempre no alarme. A própria natureza de existir em Oakland, ou qualquer lugar na América um grupo preto organizado para desafiar a opressão racista do estado implicava uma tensão constante. Adicione a isso a infiltração de porcos que eram negros como nós e podemos imaginar como o ambiente estava continuamente carregado de suspeita e tensão. Nós vivemos todos os dias como se fosse o nosso último. Às vezes, de uma forma frenética e assustadora, todos nós às vezes questionávamos confiar uns nos outros; e todos moramos juntos, trabalhamos juntos, estudamos juntos, jogamos juntos, comemos juntos e bebemos juntos. Como esperávamos ser morto ou ser encarcerados, nos amamos totalmente, puramente e platonicamente, a menos que decidíssemos de outra forma.


Tudo o que eu queria era ser uma soldado. Eu não queria estar romanticamente ligado com nenhum dos meus irmãos, e mesmo que eu dei a minha vida inteira para o partido- meu tempo, minha energia, minha vontade, minhas roupas, meu dinheiro e minhas habilidades; ainda assim meu capitão queria mais. Meu capitão me queria.
Este homem, que me ajudou superar o meu vício, que tinha ensinado a mim e a outros tanto sobre o mundo, que enfrentou cara a cara os empresários racistas que inicialmente se recusaram a doar alimentos para o nosso programa de pequeno-almoço para crianças em idade escolar, que tinha organizado o nosso escritório de forma tão eficiente que estávamos considerados como um modelo para outros núcleos - o homem a quem eu pensei que era o meu amigo ao longo do tempo se transformou em meu inimigo. Quando eu recusei repetidamente suas investidas, ele tornou minha vida miserável. Ele me deu ordens ridículas. Ele me evitou. Ele passou a encontrar falhas no meu desempenho. Durante os primeiros anos do Partido dos Panteras Pretas, não houve um procedimento democrático para desafiar um oficial. Esta foi uma das maiores falhas na minha amada organização. Não havia um conselho de administração externo para regular o funcionamento de cada indivíduo.


Além disso, por essa altura, Kathleen Cleaver estava no exterior com Eldridge, depois dele puxado um disfarce brilhante que iludiu as autoridades e permitiu-lhe que escapasse da prisão. Eram procurados por violação de liberdade condicional e por sua parte no tiroteio de 6 de abril de 1968 quando o pequeno Bobby Hutton foi o primeiro a cair. Na verdade, nós possuímos sede nacional em Berkeley, onde o Comitê Central presidiu, mas geralmente uma personalidade forte que realizou a oscilação da comissão, Bobby Seale ou durante a sua prisão, David Hilliard eu buscava reparação por parte do Comité Central. No entanto, o Comité Central compareceu com meu capitão. O painel de todos os homens concordou que não deveria comportar-se como uma mulher burguesa e trazer tais valores para o Partido. Eles ficam convencidos de que minha atitude de abstinência sexual era tola e contrarrevolucionária.


Faltava maturidade e a habilidade necessária para desafiar os homens autoritários, por isso procurei maneiras de contornar o sexismo do meu capitão. Fui impedida de deixar o Partido porque senti que não havia outro lugar na América onde eu pudesse ser totalmente eu,  uma revolucionária preta. Além disso, eu me tornei parte da comunidade de Oakland. Eu tinha donos de lojas e outras pessoas de Oakland que só compravam papéis de mim. Ajudei os idosos com suas compras de supermercado, participei da organização política e instrui pessoalmente um grupo de crianças pequenas na leitura. Havia casas na comunidade onde sempre consegui uma boa refeição, e os moradores do bairro constantemente observavam minhas ações.


Após um ano de transformar-me em uma mulher jovem que se importava profundamente pelo meu povo e tornando-se um dispositivo elétrico dentro de Oakland e desfrutar de tudo de seu direito e privilégios, descobri que meu capitão procurou maneiras maiores de me expulsar do partido. Ele sentiu que eu não era uma boa influência sobre os outros soldados; então, com a ajuda de oficiais locais dos Panteras, ele me transferiu de Oakland depois de longos tempo, de um ano de trabalho diligente e alegre. Ele me transferiu para a sede nacional, onde experimentei o mesmo tipo de sexismo vicioso novamente. Havia mulheres que vieram atrás do partido e imediatamente deixaram por causa do comportamento vulgar masculino. Havia mulheres no Partido como eu, que tentaram segurar, porque entendemos o poder, o significado e a necessidade de nossa organização. Os homens negros, que haviam demorado demais sem alguma forma de poder, não tinham o segundo plano para entender e retrabalhar o seu duplo padrão em relação ao quadro feminino. Talvez, se o Partido tivesse observadores externos - anciãos da comunidade que respeitavam nossa plataforma -, tais práticas injustas contra as mulheres poderiam não ter ocorrido.


Nem todos os homens do Partido eram sexistas. Na verdade, muitos lutaram comigo contra a loucura de nosso capitão. Esses homens também foram rejeitados pela liderança. Além disso, estávamos diante de tantas ameaçando questões que eram maiores do que a situação do selecionado feminino quadro. Estou falando dos anos em que Huey P. Newton enfrentou a câmara de gás. Estou falando sobre os anos em que nossos escritórios foram atacados pela polícia. Estou falando dos anos de grandes prisões de Panteras. Estou falando dos anos em que nossa liderança nacional girou dentro e fora da prisão ou se transportou para países fora da América. O sexismo foi um fator significativo no enfraquecimento da estrutura do Partido das Panteras Pretas. É importante compreender e reconhecer as tendências entre os homens, especialmente quando nos movemos em direção ao século XXI, e especialmente porque os homens negros fazem pronunciamentos públicos para recuperar as rédeas da liderança para a América negra. Se as mulheres são desrespeitadas, então vai à nação. Membros dos Panteras Pretas, eram um grupo único de guerreiros dedicados que trabalhavam anos sem reconhecimento, recompensas, prêmios ou incentivos monetários para eliminar a injustiça na América. Nada me impressionou mais do que a disciplina exibida por nossos queridos irmãos e irmãs no Partido das Panteras Pretas. Não há outra experiência como estar com pessoas que acordam antes do amanhecer e se aposentam à noite pensando e trabalhando agressivamente para o nosso povo. Algumas irmãs e irmãos com quem morava, comiam, falavam longamente na noite, trocavam roupas, alimentavam crianças, vendiam jornais dos Panteras, alvejavam alvos, bebiam cães amargos e executou missões à meia-noite e estão mortos agora. Eu quero que você saiba o quanto eles amava perfeitamente nosso povo. Quero que saiba que eles estavam dispostos a morrer por você.


[1] Rodney King foi um homem preto, que trabalhava como taxista e foi espancado pela policia. Nesse sentido, ela usa o seu nome para exemplificar a violência policial.
[2] Golden Gate Bridge é uma ponte localizada no estado da Califórnia, nos Estados Unidos.

Material de Apoio:
Mulheres, Poder e Revolução: https://medium.com/@Marighella/mulheres-poder-e-revolu%C3%A7%C3%A3o-1998-a02681797a00

Mulherismo Africana: https://quilombouniapp.wordpress.com/2012/03/22/africana-womanism-o-outro-lado-da-moeda/


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