Ao longo da minha vida eu sempre me perguntei o porquê de nunca ouvirmos falar sobre nossos grandes feitos. Em especial, nunca ouvi falar nos grandes feitos vindo de mulheres negras. E olha que são muitos...
Acho inclusive, que esse investimento que fazem na manutenção da ignorância do nosso povo e na morte do nosso epistemicídio tem dado certo. A GENTE NÃO SE CONHECE. Não se reconhece. Não se representa. Não se orgulha. A gente se contenta com os poucos nomes que vemos citados por aí e só.
Nossas crianças se contentam com aulas de história que resumem a participação negra ao fato de termos sido escravizados e só. Dissecam nossa história e tentam resumir tudo ao fracasso de termos levantado esse país a base de chicotada e nada mais.
É só isso?
Até quando permitiremos que nossas crianças cresçam sem o direito de aprenderem sobre si, sobre sua cultura, sobre as vitórias de todo um povo que estava aqui muito antes dos sem melanina chegarem e destruírem tudo que tocaram?
Até quando ajudaremos nas lições de casa que só contam a história da escravidão partindo do pressuposto de que somos um povo omisso e que não fizemos questão nenhuma de nos reerguermos em meio ao processo escravocrata e quando falamos de lutas abolicionistas, por exemplo, nós mulheres, nunca estamos lá. E se estamos, ninguém nota. E pior, ninguém acha estranho.
Irmãos, nós somos Africá e é importante citar, que nossa cultura sempre foi matriarcal.
Sempre que eu digo isso, tem alguém pra dizer que se matriarcal é o oposto de patriarcal, então não é algo positivo. Mas, para escurecer desde já, é importante citar que "Matriarcado"é usado por Diop e que para ele o oposto de patriarcado é o "Amazonismo" ele usa esse termo para sociedades supremacistas femininas e muito violentas, inclusive. E para deixar mais escuro ainda, todas essas sociedades eram brancas. O machismo, tem a cor branca em suas entranhas. Saibam disso.
Vamos falar sobre o matriarcado africano mais pra frente, prometo entrar detalhadamente nesse assunto, mas vamos ao por quê deu dar essa voltinha básica:
- POR QUE É PRECISO RECONHECER NOSSA HISTÓRIA
- POR QUE É PRECISO ENALTECER AS MULHERES AFRICANAS EM DIÁSPORA BRASILEIRA
- POR QUE É PRECISO TER ORGULHO DA LUTA DE CADA UMA DELAS
O objetivo desse texto e de outros que virão na série "Três mulheres que você precisa conhecer'' é divulgar, apresentar e relembrar importantes figuras femininas da nossa história. Em cada post desse, apresentarei a vocês, um pouco da história de três delas. Vamos falar de mulheres importantes no período escravocrata, colonial, abolicionista, revoltas emancipacionistas... Também falaremos delas nos dias mais atuais, atuando em diversas áreas e dando vida a diversas lutas pelo seu povo. Não pense você que nossas heroínas ficaram no passado, hoje ainda existem muitas mulheres lutando por nós! De pouco em pouco, conheceremos felaremos delas. Em diversos âmbitos.
Resolvi começar lá de trás...
Quantas páginas dos nossos livros eram dedicadas as lutas das mulheres negras? Quem foi Tereza de Benguela? O que sabemos sobre Anástacia? Até pensando em escala mundial, você já ouviu falar sobre Maya Angleou?
Anos de luta e resistência pra no final, assistirmos uma novela das seis falando do quanto a Princesa Isabel, rainha branca, europeia e boazinha que somente em 1888 - Que historicamente falando, podemos chamar de ontem, assinou um termo que dizia mais ou menos algo do tipo ''Brincar de escravos já está meio ultrapassado, fomos os últimos a liberar vocês, mas o que importa é que agora vocês estão livres, podem começar a se virar! Agora vamos pagar europeus pra fazerem o que vocês faziam de graça. Adeus escravatura, olá meritocracia!''
Não vamos nem falar daquela pressãozinha básica que a monarquia sofria da Inglaterra e muitos menos dos fatores econômicos que levaram nossa heroína a resolver liberar os escravos de vez, ta? Isso também merece um post inteiro.
Graças ao universo, hoje existe a internet e o monopólio da informação saiu um pouco das mãos sujas de quem ganha em cima da nossa ignorância. Hoje podemos pesquisar, conhecer, analisar e descobrir outras histórias.
E como vamos falar de heroínas do período colonial/escravocrata e de resistência quilombolas, nada mais justo do que darmos uma pincelada no que foram os quilombos e como eles atuaram na nossa história.
ENTENDENDO OS QUILOMBOS
Em síntese, os Quilombos representam a resistência contra a escravidão e a luta por terras e igualdade.
No período escravocrata do Brasil (Séc 17 e 18), após atos de fuga, os negros se refugiavam em lugares de difícil acesso, fortificados e distantes, geralmente no meio das matas. Eles procuravam sempre se refugiar em grupo para aumentar as chances de defesa e para fortalecer sua união. Esses esconderijos passaram a ganhar uma "cara". Conforme foram sendo criados meios de organização, esses esconderijos passaram se formar como comunidades e passaram ser conhecidos como Quilombos.
Lá, eles viviam conforme sua cultura africana. Produziam suas próprias roupas, cultivavam seus próprios alimentos, levantando suas moradias... TUDO EM COMUNIDADE! Engana-se quem pensa que eles viviam de forma primitiva. Os quilombolas sempre estiveram a frente de seu tempo. Muitos possuíam até mesmo forte esquema de segurança. Fora a organização, impecável!
Lá, eles viviam conforme sua cultura africana. Produziam suas próprias roupas, cultivavam seus próprios alimentos, levantando suas moradias... TUDO EM COMUNIDADE! Engana-se quem pensa que eles viviam de forma primitiva. Os quilombolas sempre estiveram a frente de seu tempo. Muitos possuíam até mesmo forte esquema de segurança. Fora a organização, impecável!
Após Pernambuco ser invadido pelos holandeses em 1630, senhores de engenho começaram a abandonar suas terras, isso propiciou a fuga de um grande número de escravos, estes migraram para o Quilombo dos Palmares em Alagoas, que com certeza você já ouviu falar! Afinal, em 1670 esse Quilombo contava com mais de 50 mil membros. Olha que coisa linda!
Obviamente que a branquitude não deixaria isso passar. Os holandeses começaram uma dura batalha contra nossos ancestrais e contando com a ajuda do bandeirante Domingos Jorge, deram inicio a uma longa saga contra a preservação dos Quilombos.
Mas, como sempre, a gente resiste!
E por mais que agora você fique perplexo, saiba que até hoje muitos Quilombos sobrevivem!
Mesmo após a tardia abolição da escravatura, Quilombos que permaneceram em lugares afastados, continuam a existir!
Estimativas dizem que hoje em dia existem cerca de 3 mil, porém pesquisa certificada pela fundação Palmares, aponta para 1.500 comunidades quilombolas, grande parte na região do norte e nordeste. Por manterem durante todo esse tempo suas tradições, organização social, laços culturais e religiosos e sua própria forma de produção, eles contribuem constantemente para a resistência da cultura africana aqui, no Brasil.
Além disso é importante citar que a constituição federal de 1988 no artigo 68 garante a propriedade de terras ocupadas pelos quilombolas (Embora desde 88, pouquíssimas comunidades tenham de fato, recebido seu titulo garantidor).
Claro que para chegarmos a esse passo, foi preciso muito luta! Vamos a 3 delas, protagonizadas por nossas irmãs Dandara, Tereza e Maria Felipa!
DANDARA DOS PALMARES - A GUERREIRA QUE VIVE!
Não existem muitos registros acerca de sua história, acredita-se que ela nasceu no Brasil, mas toda história da sua vida é cercada de grandes mistérios.
Mulher de zumbi e mãe de 3 filhos (Motumbo, Harmódio e Aristogíton), ela é a prova de que a mulher negra nunca precisou de feminismo para ir a luta. Além de trabalhar nas plantações e produção de farinha de mandioca, ela lutava com armas, caçava e ainda dominava técnicas de capoeira, usando toda sua habilidade liderando um exército feminino e lutando ao lado de seu marido Zumbi e também do Rei dos Palmares Ganga - Zumba, nas diversas batalhas decorrente dos ataques a Palmares, no séc XVIII na região de Alagoas, mas precisamente na Serra das Barrigas.
Não só isso.. Ela liderava estratégias de combate ao colonialismo e de defesa e preservação dos Quilombos.
Segundo relatos, ela não se vendia, não se rendia ou fazia as coisas pela metade. Não media esforços para proteger os Quilombos e não media forças para eliminar seus inimigos.
Uma das maiores e ultima luta de Dandara, foi contra o tratado de paz, assinado pelo governo português e também pelo tio de Zumbi Ganga Zumba. Ao lado de Zumbi, ela posicionou-se contra o Líder do Quilombo, acreditando que seria um retrocesso fazer qualquer acordo com seus colonizadores.
"Em 1678, Ganga Zumba aceitou um tratado de paz oferecido pelo Governador Português de Pernambuco, o qual requeria que os habitantes de Palmares se mudassem para o Vale do Cucau" Géledes
''Ela defendia que a paz em troca de terras no Vale do Cacau, que era a proposta do governo português, seria um passo para a destruição da República de Palmares e a volta à escravidão'' (Palmavres.gov) Importante citar, que os que se mudaram para o vale do Cacau voltaram a ser escravizados pelos portugueses.
Dandara, pediu que Zumbi tomasse a cidade. Ela preferia a luta do que uma falsa proposta de paz.
Em 06 de fevereiro de 1694, Dandara se jogou da pedra mais alta dos Palmares em direção ao abismo, preferindo a morte ao ter que voltar a condição de escrava.
Após o projeto de lei n° 1311/2015, foi incluso no calendário oficial do Rio de Janeiro o dia de Dandara e da consciência da mulher negra, coma justificativa a necessidade de acentuar a importância de Dandara no processo de valorização da mulher negra na história da construção do Brasil e a sua importância cultural como agente transformador do ambiente.
"Dandara, Dandara, Dandara, Dandara
Transfere tua essência como exemplo as mulheres que se negam a lutar
As negras oprimidas em favelas e escolas, domésticas do lar
Junta e organiza por que juntas são mais uma, com mais força e maior
Romper a hipocrisia da autoridade que a burguesia vai se aniquilar
Seus olhos negros firmes da esperança da vitória que está para chegar
Que sambam sobre os peitos dos homens fortes e guerreiros querendo te conquistar
Tua força é divina e ancestral e pega fogo e é fogo de orixá
Vem com teu sorriso, abre os braços, solta as tranças vem de novo, me acalenta"
(autor desconhecido)
TEREZA DE BENGUELA - A ETERNA RAINHA
Ela também tem um dia! 25 de julho, é o dia nacional de Teresa de Benguela e da mulher negra.
Ícone e símbolo da luta da mulher negra e liderança. A rainha Teresa é um exemplo de mulher guerreira. Após a morte do marido, até então atual líder do Quilombo dos Piolhos, ou como ficou mais conhecido, quilombo do Quariterê, Tereza enfrentou o governo português por 20 anos, resistindo á escravidão.
Tereza reinava em Quariterê, quando a Vila Bela da Santíssima Trindade ainda era a capital de Mato Grosso. Historiadores mostram que o Quilombo surgiu em 1752, praticamente junto a fundação de Vila Bela.
Ele se localizava mais ou menos a 100km do vilarejo, ás margens do rio Piolho, nas proximidades do vale de Guaporé. Como o local em que o Quilombo se situava era de difícil acesso, Tereza teve oportunidade coordenar cada detalhe de forma impecável.
Eles produziam suas próprias roupas, uma agricultura muito avançada para seu tempo (Cultivavam feijão, mandioca, milho, banana e algodão e lucravam com a venda do cultivo excedente), além disso eles possuíam uma ferraria e até mesmo uma espécie de parlamento.
“Governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entravam os deputados, sendo o de maior autoridade, tido por conselheiro, José Piolho (…). Isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executavam à risca, sem apelação nem agravo” (Anal de Vila Bela do ano de 1770)."
Tereza liderou o Quilombo de Quariterê no quesito econômico, administrativo e estrutural. Foi responsável por criar em sua liderança, um sistema de defesa e esse sistema de parlamento garantia a sobrevivência de mais de 100 pessoas pretas e indígenas. Por governar uma espécie de monarquia, ficou conhecida pelos seus como Rainha Tereza. Vale destacar também sua valentia em prol da defesa do seu povo. Infratores, traidores e inimigos era torturados em enforcados. Sem dó. Em legitima defesa.
Em 1770 Teresa foi capturada e morta, não se sabe se a causa da morte foi suicídio, execução ou doença. Moradores da região de Mato Grosso, acreditam que ela tenha sido executada e depois teve sua cabeça exposta em praça publica para servir de exemplo.
Mas o exemplo que ela de fato nos deixou foi de resistência, atitude e amor ao seus irmãos.
MARIA FELIPA - MARISQUEIRA VALENTE!
As histórias de Maria Felipa é daquelas que quanto mais você lê, mais você admira.
Marisqueira, capoerista, inteligente e astuta, Maria Felipa negra e pobre deu muito trabalho aos portugueses, quando mesmo depois da guerra, ainda reivindicava o direito de seu povo.
Não se sabe a data em que nasceu, mas seus feitos são muitos. Da ilha de Itaparica-BA, Maria Felipa é conhecida como ''A heroína negra da independência'' por lutar pela independência da Bahia.
Entre os relatos mais populares, encontra-se se o que fala sobre o dia em que ela liderou cerca de 40 mulheres contra frotas portuguesas. Armadas com peixeras e galhos de cansanção, elas atraiam os portugueses para um lugar deserto, os faziam tirar as roupas, e quando eles achavam que tudo corria perfeitamente para eles, elas os surravam e ganhavam tempo para atear fogo em suas embarcações protegendo a ilha de Itaparica.
"Durante as batalhas, seu grupo ajudou a incendiar inúmeras embarcações: a Canhoneira Dez de Fevereiro, em 1º de outubro de 1822, na praia de Manguinhos; a Barca Constituição, em 12 de outubro de 1822, na Praia do Convento; em 7 de janeiro de 1823"
Em um trecho do livro ''O sargento Pedro'' o autor relata o momento em que portugueses se preparavam para o ataque, enquanto Maria Felipa segura uma tocha para que os pescadores cavassem uma trincheira. “Estou cavando a minha cova…” Diz um pescador. Imediatamente retrucado por ela “Cava, mas não pra ti. . .''
Maria Felipa, era descendente de africanos sudaneses. Seus feitos não se restringe a queimar embarcações. Ela controlava o envio de alimentos para o recôncavo baiano, liderava um grande grupo de homens e mulheres e defendia e trabalhava na fortificação da praia de Itaparica, trabalhando na construção de trincheiras.
Os poucos relatos acerca de sua história nos contam que Maria também atuava como enfermeira no período de guerra, cuidando e acolhendo os seus.
De acordo com historiadores, ela também participou ativamente na primeira cerimonia de hasteamento da bandeira nacional em São Lourenço (Pontas das Baleias), após a derrota dos portugueses, quando ela e suas parceiras Joana Soaleira, Brígida do Vale e Marcolina, fizeram uma invasão na armação de pesca do português Araujo Mendes e deram uma verdadeira surra em seu vigia Guimarães das Uvas para deixar bem escuro que a luta não havia terminado.
Mesmo quando a população da Ilha de Itaparica havia sido notificada para deixarem o local pelo governo de Cachoeira, Felipa foi um simbolo de resistência. Ela escolheu ficar em continuar lutando pelo povo itaparicano.
Apesar de não muito conhecida. Hoje, encontramos estudos sobre Maria Felipa até mesmo em universidades.
QUEREMOS MAIS!
Se tiver alguma sugestão de mulheres afrikanas em diáspora que quiserem ver por aqui, é só nos mandar um e-mail para o endereço que está no nosso contato!
Nós por nós. Ontem, hoje e sempre!
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1 comentários
Que texto maravilhoso!
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