ASSATA SHAKUR SOBRE A ESCOLHA DE SEU NOME E APROXIMAÇÃO COM A REPUBLICA NEW AFRIKA

* A passagem abaixo foi retirada do livro Assata: Uma autobiografia e traduzida pelo site Assata Shakur em português.






Eu tinha ouvido bastante sobre a República da Nova Áfrika[1] e prometi a mim mesmo de conhecer mais. A Governo Provisório da República da Nova Áfrika[2] defendia a criação de uma nação Preta separada dentro dos eua[3], a ser constituída pelo que hoje é a Carolina do Sul, Georgia, Alabama, Mississippi e Lousisiana[4]. Na época, eu[5] achei o grupo meio selvagem e distante, mas eu tinha uma boa sensação estando perto deles e a ideia de uma nação Preta me atraia.

A primeira vez que eu fui a um evento da República da Nova Áfrika, eu bebi da atmosfera e aproveitei a audácia confortável de tudo. Em volta era tudo meio gay e carnavalesco. Um grupo de irmãos estava batucando mensagens Watusi, Zulu e Yorubá[6] em tambores. Grupos de irmãs e irmãos dançavam a ritmos da terra-mãe até suas peles ficarem cobertas de suor. Discursos se entrelaçavam com canções e poemas. Irmãs e irmãos vibrantes com grandes Afros e roupas Africanas esvoaçantes desfilavam com orgulho pra cima e pra baixo nos corredores.

Irmãos carecas, vestindo botas e uniformes militares com ombreiras de pele de leopardo, ficavam pelo local de braços cruzados, parecendo perigosos. Meninas pequenas correndo e rindo com suas cabeças envoltas em turbantes e meninos pequenos vestindo pequenos dashikis[7]. As pessoas se chamando por nomes como Jamal, Malik, Kisha ou Aiesha. Incensos de sândalo e côco flutuavam pelo ar. Bandeiras vermelhas, pretas e verdes penduradas pelo teto junto a pôsteres de Malcolm e Marcus Garvey. Homens jovens com ar de sérios, vestindo jeans e jaquetas militares verdes distribuíam panfletos. Irmãs e irmãos de aparências exóticas decorados de vermelho, preto e verde sentavam atrás de mesas cobertas de feltro e vendiam incensos, guias e um punhado de outros itens. “Paz, irmã,” uma voz disse. “Você quer se tornar uma cidadã?” “O quê?” eu perguntei, sem a menor noção do que ele estava falando. “Uma cidadã,” ela repetiu. “Você quer ser uma cidadã da República da Nova Áfrika?” “Como eu me torno uma cidadã?” “Fácil. Só assina seu nome no livro dos cidadãos.” “Só isso?” “É. Você quer um nome?” “Um nome?” “É, irmã, um nome. Se você quiser um nome Africano, pede para aquele irmão ali pra ele te dar um.” O irmão o qual ela apontou estava vestindo uma longa bata[8] com calças combinando e um chapéu tipo fez também combinando. Ele estava vestindo várias guias e colares de ossos, conchas e pedaços de madeira. Sua orelha esquerda era furada e seu rosto estava tensionado de concentração com as veias na sua testa saltando.

Sem pensar duas vezes, eu fui lá mudar meu nome. O irmão olhou pra mim, me fez algumas perguntas que eu não me lembro e então começou a chacoalhar furiosamente um recipiente. Ele arremessou o conteúdo, que eram conchas, num tecido. Depois de passar um longo tempo olhando as conchas concentrado e depois de se inclinar indo e voltando a mim, o irmão decidiu que meu nome era Ybumi Oladele. Ele soletrou o nome enquanto eu escrevia e depois eu corri pra mesa da outra irmã e me tornei uma cidadã da República da Nova África. Ybumi Oladele.

Eu gostei de como soava. Suave e musical, meio feliz. Eu pus meu novo nome no meu bolso e continuei a absorver a atmosfera, viajando na ideia de uma nação Preta na Babilônia, uma nação de Pretos e Pretas bem no meio da barriga da besta. Imaginando uma juventude Preta florescendo e sendo criada em escolas Pretas, ensinada por professores que a amassem e ensinassem ela a se amar. Controlando suas vidas, suas instituições, trabalhando juntos para construir uma sociedade humana, pondo fim no longo legado de sofrimento que o povo Preto aguentou nas mãos da amérika[9].

Minha mente viajou na ideia e em um minuto eu estava imaginando ônibus vermelhos, pretos e verdes, prédios com decoração Africana, programas de televisão Pretos e filmes que refletiam as características reais da vida Preta ao invés das características criadas pelo racismo. Eu imaginei tudo, desde cidades chamadas Malcolmville e Nova Lumumba até recepções de líderes revolucionários de todo o mundo na Casa Preta. Realmente, eu gostei da ideia de uma nação Preta, mas eu não havia pensado muito seriamente como uma possível solução.

Naquela época, a ideia me pareceu muito distante. Eu acho que na época um nome Africano também me pareceu um pouco distante também. Eu falei para os meus amigos sobre o nome, falei um pouco durante alguns dias e depois rapidamente esqueci o assunto. Apenas depois de alguns anos – depois da faculdade e ativismo mais revolucionário e casamento – que eu comecei a pensar seriamente em mudar o meu nome. O nome JoAnne começou a me dar nos nervos. Eu mudei muito e me tornei outra pessoa. Soava estranha quando alguém me chamava de JoAnne. Não tinha realmente nada a ver comigo. Eu não me sentia como JoAnne ou como descendente de escravos[10] ou amerikana. Eu me sentia uma mulher Africana.

Da hora em que eu garfava o meu cabelo pela manhã até a hora em que eu fugia para dormir com Mingus nos fundos, eu me sentia uma mulher Africana e me sentia feliz por isso. Meu grande e abstrato quadro preto e branco que parecia uma mancha de tinta deu lugar a quadros de pessoas Pretas e posteres revolucionários. Minha vida virou uma vida Africana, meu entorno se tornou de sabor Africano, meu espírito pegou um brilho Africano. Das pinturas na minha parede até as grandes e gordas almofadas no chão, do incenso queimando no ar ate a música dançando nos quartos, minha vida toda estava andando em ritmos Africanos. Minha mente, coração e alma foram de volta à Àfrica, mas meu nome ainda estava preso em algum lugar da Europa. JoAnne era ruim, mas pelo menos minha mãe havia escolhido para mim. Enquanto Chesimard, bem, eu só podia chegar em uma conclusão. Alguém chamado Chesimard foi o senhor de escravo dos ancestrais do meu ex-marido. Chesimard, como quase todos os sobrenomes que as pessoas Pretas usam hoje, foram derivados dos senhores de engenho. Pessoas Pretas foram de Mary que pertence ao Sr. Johnson e Paul que pertence ao Sr. Jackson para Mary Johnson e Paul Jackson.

Algumas vezes, antes de deitar a cabeça para dormir, eu ficava na cama e pensava sobre isso, imaginando quantos escravos Chesimard possuiu em Martinique e quantas vezes ele os espancava. Eu ficava olhando para o teto pensando quantos mulheres Pretas Chesimard estuprou, de quantos bebês Pretos ele era pai e quantas pessoas Pretas ele foi responsável pela morte. Então, o nome finalmente tinha que ir. Eu pensei sobre Ybumi Oladele, mas havia um problema. Eu não sabia o que significava. Meu novo nome tinha que significar algo realmente especial para mim. Na época, havia pequenos panfletos sendo publicados com listas de nomes e seus significados, mas eu tive dificuldade em achar algum que eu tinha gostado. Muitos dos nomes tinham a ver com flores, músicas, pássaros ou coisas do tipo. Outros significavam nascido na quinta-feira, leal, confiável ou até coisas tipo lágrimas ou pequeno idiota ou algum engraçado. Os nomes de mulheres não eram como os nomes dos homens, que significavam coisas como forte, guerreiro, homem de ferro, corajoso etc.

Eu queria um nome que tinha algo a ver com resistência, algo a ver com a libertação do nosso povo. Eu decidi por Assata Olugbala Shakur. Assata significa “Aquela que luta,” Olugbala significa “Amor ao povo,” e eu peguei o nome Shakur em homenagem ao Zayd e a família do Zayd. Shakur significa “a agradecida.”

REFERÊNCIAS:
[1] Do original Republic of New Afrika.
[2] Do original Provisional Government of the Republic of New Afrika.
[3] Do original u.s., United States. Assata Shakur utilizava o recurso de usar letras minúsculas em palavras que pela normal deveriam ser escritas com letra maiúscula com o objetivo de diminuir a importância de alguma coisa.
[4] Estados do Sul dos Estados Unidos.
[5] Do original i. O termo eu na língua inglesa é sempre escrito em letra maiúscula I.
Assata utiliza o termo em letra minúscula como forma de demonstrar a importância do coletivo em vez da individualidade.
[6] Povos Africanos.
[7] Vestimenta para homens originária da África. Consiste em uma espécie de camisa mais larga e solta com muitas cores e padrões Africanos.
[8] Do original bubba.
[9] Assata utilizava a escrita de algumas palavras com a letra k ou ainda kkk, fazendo alusão à Ku Klux Klan (KKK), organização estadunidense supremacista branca.
[10]Do original Negro. Negro na língua inglesa é um termo utilizado para se referir às pessoas Pretas, mas que atualmente possui um conteúdo pejorativo e não é normalmente utilizado.

Se você deseja saber mais sobre a Republica New Afrika e sua relação com Assata Shakur, segue abaixo link do post que fizemos aqui sobre isso anteriormente:

-  Assata Shakur, Nehanda Abiodun e a Republic of New Afrika

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