Eu NÃO sou sua preta de estimação!


Esse texto é uma denuncia, um desabafo e, provavelmente, um compilado de algumas coisas que pouquíssimas pessoas tem coragem de dizer.

Em 2016 eu conheci a Carol, e eu tinha acabado de sair de um relacionamento - se é que podemos chamar aquilo de relacionamento - um tanto quanto complicado e com um final bem comum entre mulheres pretas: ele havia terminado comigo porque não estava maduro para um namoro, porém alguns dias depois postou foto entregando um buquê de rosas vermelhas para uma mulher branca. Aquilo acabou comigo e com parte da autoestima que havia conquistado depois de anos de crises existenciais, e aquela foto mexeu comigo principalmente porque eu queria estar no lugar dela, eu gostava dele, eu queria receber flores em frente a escola, só não queria que fossem rosas vermelhas porque, particularmente, acho brega. Mas o foco aqui não é ele, nem minha aversão a rosas vermelhas, nem o relacionamento de um homem preto com uma mulher branca, o foco aqui é outro.

A Carol* é branca, e provavelmente mais branca que a menina da foto do meu ex, mas foi ela quem me deu apoio e um ombro amigo - que se tornou mais que amigo, não é mesmo? - pra eu depositar todo amor e frustração que havia em mim. Carol me dava carinho, me elogiava, me comprava comida e me levava no shopping só pra ver vitrine porque eu sempre gostei de ver vitrine mesmo sem comprar nada. Com o passar do tempo, Carol foi se tornando mais que ombro amigo, ela foi se tornando prioridade na minha lista de contatos, foi se tornando a primeira pessoa que eu chamava para dar bom dia ou marcar em memes toscos na internet. As pessoas nos elogiavam, diziam que fazíamos um casal muito bonito, falavam que ela era uma mulher de sorte.

Dando um flashback porém usando palavras pra isso, eu vim de uma escola particular, e nos meus primeiros anos lá meu ciclo social era unicamente branco. Amigas brancas, meninos brancos, professores brancos, espaços brancos, e ser uma das únicas pessoas pretas nesses espaços era desconfortável. No 6º ano, eu estudei em um colégio que possuía mais pessoas ruivas do que pessoas negras, inclusive quando, na aula de Ciências, a professora explicou que pessoas ruivas são apenas 1% da população, eu sinceramente duvidei por alguns longos anos.
Devido ao meu ciclo de amizades extremamente pálido e com baixa porcentagem de melanina, comentários como "foi só uma brincadeira", "eu sou sua amiga, não sou racista, ta?" e "tudo bem, né? Brincadeira de amigo" eram bem comuns no meu dia-a-dia. Eu sempre era a amiga negra que fazia impossível o ato das minhas amigas brancas ser racista, eu era a enteada negra que tornava aceitável o comentário do meu padrasto sobre a bunda da globeleza, eu era a aluna negra que apaziguava a fala racista sobre os africanos escravizados do meu professor. Eu nunca fui só a aluna, só a enteada, só a amiga, eu era a aluna NEGRA, a enteada NEGRA e a amiga NEGRA.

Com a Carol* eu pensei que isso fosse mudar, pra ser sincera eu tinha esquecido desses comentários e de quem eles vieram, mas infelizmente a Carol* me fez lembrar. Sempre que ela me mostrava as mensagens que as pessoas mandavam comentando sobre nosso recente namoro, era me elogiando de uma forma estranha. "Ela é uma puta negona, né?", "Caralho, que pretona", "Com todo respeito, ela é muito gostosa!", "Como você aguenta?", e por alguns momentos eu me perguntava se a namorada do meu ex recebia os mesmos comentários, mas esses momentos eram breves e eu me recusava a pensar nele novamente. Graças a Carol, e muita gente a agradece por isso, eu mudei muito minha visão sobre relacionamentos entre pessoas pretas e brancas, independente do gênero dessas, porque eu era extremamente radical, daquelas que chamava todo e qualquer homem preto com uma mulher branca de "palmiteiro" - inclusive chamei meu ex assim por longos anos. Carol era branca, né? Não fazia sentido continuar com aquele pensamento estando e amando uma pessoa branca, era hipocrisia demais e eu não seria capaz de sustentar o mesmo discurso, mas nem pelo discurso em si e sim porque Carol realmente me fez mudar de pensamento, o amor realmente não tinha cor.

Uma vez a Carol me contou sobre um amigo negro dela que ela chamava de macaco-prego, outro dia a Carol me disse que estava comigo apenas pelo meu corpo, e em outro dia ela pegou nos dreads de uma amiga preta sem permissão. Mas a Carol não era racista, ela namorava comigo, eu era a namorada NEGRA dela, isso não era possível. Eu era a namorada NEGRA que, com todo respeito, era muito gostosa, a namorada NEGRA que podia ser demais na cama a ponto de questionarem se a Carol "aguentaria", eu era a namorada NEGRA ativista que fazia da Carol a pessoa mais paciente e militante dos direitos humanos já vista.

Eu não podia ser só a aluna? A amiga? A enteada? A NAMORADA? Só isso. Eu queria só ser vista como alguém que não precisa ter sua etnia reconhecida sempre que é citada, queria ser como a namorada do meu ex que é só namorada. Simples e direto, NAMORADA. Sem nada depois, sem virgulas, sem adjetivos. Ela provavelmente era a amiga. A aluna. Ela provavelmente não ouvia "não posso ser racista, somos amigas, certo?" porque ela só era a amiga, diferente de mim que a amiga NEGRA. Eu era a invalidação de discursos racistas a partir do momento que alguém possuía alguma intimidade comigo, ela não.
A Carol obviamente não me apresentava como "Oi, essa é minha namorada negra", mas aposto que quando questionada de como eu era, essa parte era bem frisada. Será que a namorada do meu ex recebeu elogios pela sua beleza ou pelo seu corpo? Será que as pessoas perguntavam se meu ex aguentava sua atual namorada?

A quem possa interessar, eu e Carol terminamos. Agora eu sou sua ex-namorada NEGRA, engraçado, né?

*Carol é um nome ficcticio, e isso não é uma exposição nem dela e nem de ninguém.
Ass: Pryscila

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