Poesia: "Coisas que parecem não fazer sentido"; de Matheus de Araujo

Por Matheus de Araujo


Inicio aqui minha participação no coletivo Black Panther DNA, onde compartilho a tão acolhedora e libertadora poesia marginal, com poemas de minha autoria e de grandes nomes da literatura que vocês já ouviram falar ou vão ouvir falar. Essas preciosas obras nos fazem enxergar um mundo onde tanto sentimos e pouco ouvimos falar de outros pontos de vista. Nós, escritores, poetas, MCs, narradores e entre tantos outros, trazemos nossa tão confusa vivência nessa sociedade (quase) perdida. Sintam se de braços abertos as diversas vivências que aqui lerão. Ao início de cada texto, vocês lerão uma breve descrição do autor e uma pequena introdução minha sobre o assunto tratado no texto do autor. Minha apresentação será somente nessa primeira, afinal, seremos mais íntimos a partir de agora.


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Eu sou Matheus de Araujo, tenho 19 anos, moro no Complexo da Maré desde nascido. Escrevo há um ano e meio já com uma publicação, na antologia poética "Poesias Flupp Pensa 2016", e participa dos coletivos Poetas Favelados, que declamam poesias nos trasportes públicos do Rio de Janeiro, e do coletivo Black Panther DNA, onde vocês se encontram nesse momento.

Às vezes fritamos a cabeça pensando em como tal coisa pode acontecer. Muitas vezes ficamos sem respostas, até porque beira o absurdo do normal. Mas se seguirmos além da capa, iremos achar respostas que muitas das vezes não são a que gostaríamos que fosse. Algumas coisas realmente não fazem o menor sentido, mas muitas só parecem não fazer sentido.


"Coisas que parecem não fazer sentido


Tem coisas que parecem não fazer sentido
- Zeca Pagodinho tocar samba
- Exaltassamba tocar pagode
- Como a galinha foi parar no muro da vizinha
- Virar presidente sem receber voto
- Ser preso por carregar desinfetante higiênico



Não me entra na cabeça

Uma pessoa possuir 5 mil hectares de famílias
O porquê de mais améns do que amores
Parece tão patético
Os caras serem tão liberais a ponto de se livrarem se si
Ou aquele que destila homofobia e parece sumir quando assiste pornô lésbico na íntegra
Ou querer igualdade e na chyper de rap não chamar uma mina
Queria realmente entender esse tal desaforo
De viverem gozando um com o pau do outro

A lágrima de preto cai na realidade
Pleno século XXI e ainda lutamos por liberdade
Tá de sacanagem?

No final das contas, as contas não têm final
Passagem de ônibus cara pra pagar o SPA do Pezão
Também o dízimo do bolso do Crivella
E o pato quem paga é quem vive sobrevivendo
De cestas e sextas-feiras básicas

As coisas passam a fazer sentido
Quando se põe malícia na leitura desse livro
De um lado sempre faltou, do outro sempre sobrou
Existe certa "ordem" onde falta equilíbrio
Sacou?

Faz sentido o peso das balas achadas nas favelas terem os mesmos 450kg de cocaína do Perrella
Faz sentido a quantidade de assaltos cometidos ser igual ao desvio de verbas da educação
Até porque se parar pra pensar
O pensamento vai fazer parar
Faz sentido sumir com o Bolsa Família pra sustentar "vale paletó" de deputado
Faz sentido deixar morrer na fila do hospital pra pagar milhões em publicidade
Faz sentido minha matrícula na faculdade ser algo que o coronel Ustra odiaria ver
Mas que Marcus Garvey se orgulharia
Porque é mais um favelado escutando pipoco enquanto estuda pra prova do outro dia
Não é para os governados o atual governo
Não foi pelo desinfetante que o preto foi preso

O que não tem o menor sentido
É essa porra toda fazer sentido

É melhor não deixar pra entender o que há pra quando o sistema te apontar uma HK
Se não vão depositar seu salário numa conta na Suíça e te fazer depositar mais

É necessário dar a cara à tapa
Pra nunca mais julgar o livro pela capa
E ser mais rápidos que a rotação de propina na Explanada
E antes que a única coisa que não faça sentido
Seja o samba de Zeca Pagodinho
Eu quero a liberdade de Rafael Braga."


Foto de Laura Souza Nascimento (Nós da Rua)


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