Não é questão de gosto, é RACISMO!

Falar sobre relacionamentos por uma ótica não embranquecida é algo bastante complicado e até delicado, eu diria. Antes de nos aprofundarmos no assunto é necessário que conheçamos alguns conceitos básicos sobre construção de relacionamento na nossa sociedade e sobre como e até que ponto o viés eurocêntrico influencia nisso: o amor ideal ainda é branco!

É importante destacar que esse post não traz todos os recortes específicos (e necessários) para toda a população negra e que sim, temos consciência de que o problema ultrapassa os limites étnico-raciais e que o debate se abrange à outras proporções a qual envolve outros fatores que podem não ser citados aqui.


Em primeiro lugar, é necessário que escureçamos algumas coisas, sobre embranquecimento cultural e em que ponto a construção de relacionamento está interligado a ele.

O embranquecimento pode ser visto e entendido de duas formas: a internalização de modos, culturas e supervalorização daquilo que se é branco em detrimento dos próprios modos e/ou de uma cultura matriz, e ainda o clareamento evidente e escancarado de uma população no que diz respeito ao seu fenótipo ao longo do tempo. Nos utilizaremos do primeiro conceito para fomentarmos a nossa conversa.

Baseado em ideais eugenistas seculares (que datam início na Europa do século XIX), o governo D. Pedro I estimulou a imigração de brancos europeus para o Brasil, assegurando, dentre as demais coisas, mão-de-obra assalariada e um ideal de vida melhor de acordo com tal. A ideia obscurantista que permeava tal estimulação era justamente a supremacia de raça (apoiada por intelectuais da época e também pela elite) e isso culminou no início de um processo que se estende até os dias de hoje, uma vez que os negros recém libertos não puderam integrar na sociedade classicista. Daí surgiu a continuidade do que conhecemos hoje por miscigenação e a partir daí que é necessário tal correlação.

O processo de miscigenação tal qual a ideia supremacista que se alastrava diante o nosso território não só criou como agravou vários esteriótipos no que diz respeito ao povo preto, os seus modos, costumes e cultura. É importante que destaquemos que tal ideia culmina justamente na hipervalorização do fenótipo europeu e branco em todos os âmbitos da nossa sociedade, uma vez que nos atenhamos ao modo comportamental e de relacionamento, e foi essa a absurda justificava para o processo citado no parágrafo anterior. A herança cultural que se foi construída através desse ideal populacional cultural e de fenótipo majoritariamente branco serviram de ponto de partida para que a nossa sociedade atual reproduzisse conceitos deturpados acerca de processos históricos infundados dentre o racismo: a nossa forma de escolher na hora de se relacionar não está desprendido disso e de outras questões raciais.

Partir do pressuposto de que "o amor não tem cor" é negar toda a história e mais, é se mostrar extremamente insensível às nossas vivências quando o assunto é amor e relacionamento. Se o amor não tem cor, por que existe preterimento para com o povo preto? Por que mulheres pretas representam a maioria nas taxas de mães solteiras e de mulheres que não casam? Por que o homem preto ainda é estigmatizado com esteriótipos relacionados ao seu modo perante um relacionamento e por que sobrevivemos sob uma realidade que exclui o povo preto de viver o amor? A resposta para essas perguntas é clara: O AMOR TEM COR SIM!

Ao abordar esse tema em outras plataformas, sempre tem quem venha com a desculpa de que "é questão de gosto", mas será mesmo que é? Será que a supervalorização do ideal de relacionamento na junção com todo o processo que envolve teorias eugenistas e que fortifica uma estrutura racista e excludente é justificável por que você "prefere pessoas brancas", ou será que o seu pensamento é influenciado justamente por você fazer parte de uma sociedade que te faz crer nisso tudo? O buraco é bem mais embaixo e reduzir isso a uma afirmação por si só, também racista, só escancara o quanto a nossa construção de relacionamento diante à sociedade ainda não se curou de uma herança histórica supremacista que se perdura com toda força até a atualidade.

Pra finalizar é importante destacar que não detemos, individualmente, de um poder capaz de mudar a lógica dessa realidade. Que o argumento do "gosto" é só uma forma de perpetuação do preterimento e que, na prática, todos sabemos para quem tal argumento opera e qual sua finalidade.

ASS,
Icaro Silva.



Outras curiosidades sobre o processo de branqueamento:

* No Brasil, o objetivo era diferenciado da Europa. Pretendia-se "organizar" a etnia brasileira: acreditava-se que, em no máximo 200 anos, a população do país seria majoritariamente branca.

* Os chamados "mestiços" eram classificados de acordo com a sua branquitude em quase-branco, sub-branco e semi-branco.

* Intelectuais de época apoiaram o processo e tinham também uma visão de supremacia de raça, como Monteiro Lobato.

* O processo de embranquecimento foi mais intenso em São Paulo, pelo fato dos intelectuais acreditarem piamente e levarem a população a crer que, o desenvolvimento sócio-econômico só viria com a pureza de raça, no caso, a branca.

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