UM RELATO SOBRE O PODER DA TRANSIÇÃO CAPILAR PARA MULHERES NEGRAS

Andando por umas páginas de empoderamento negro, me deparei com a publicação de um texto meu, de quando eu estava na metade da minha transição capilar. Fase difícil, quando nenhum penteado dava jeito e eu ainda morria de medo de cortar a parte com química e me sentir feia. 1 ano e 7 meses após o inicio da saga de volta ao crespo, eu tenho que te dizer que eu nunca me senti mais bonita, natural e segura na minha vida.

Então, eu resolvi repostar esse texto, para que ajude a você que ainda está nessa fase, que pretende entrar, ou que só quer entender essa experiência mesmo. Inclusive esse texto vai fazer parte do livro Senti na Pele, movimento responsável por postar relatos de pessoas negras diariamente em sua página no facebook.


RESPECT MY HAIR





 ''Esse é um cabelo que está quebrado, sem vida, opaco, fraco e que está caindo pra caramba, por sinal. É um cabelo mal tradado e cheio de químicas. Diversas formas de químicas. Esse cabelo não aguenta mais. Está se despedaçando, se desfazendo e quebrando. Mas ele é forte. Esse cabelo resistiu a temperaturas altíssimas, calor excessivo, progressivas, henê, relaxamento, alisamento, tintura e tristeza. Minha tristeza por te-lo comigo e todas as minhas tentativas de esconde-lo. Mais do que isso, todas as minhas tentativas de deixá-lo aceitável.

 Mas ele não é só isso. Esse é um cabelo crespo, um misto de texturas do 3c ao 4b, pra ser mais específica, que está passando por uma transição capilar. Esse cabelo não está deixando de ser liso. Ele nunca foi. Ele tem textura, ele é cheio, tem molas, volume e cresce em ziguezague. Ele só é crespo e, pasme! Não existe nenhum problema nisso, sabia?

 Talvez você saiba... Mas, eu não sabia...

 Eu não sabia porque sempre me disseram que ou o cabelo é liso ou é feio. Não sabia, porque desde quando eu só me preocupava com o cabelo da minha boneca, minha família já alisava, relaxava e tentava esconder meus fios (pelo meu bem, claro), afinal "cabelo bombril" não é lá a melhor coisa de se escutar. Eu não sabia porque cresci tentando me encaixar nesse padrão ridículo que nos é duramente enfiado goela a baixo. Eu passei 22 anos da minha vida sem saber que não existe solução pra cabelo crespo, porque simplesmente ele nunca foi e nunca será um problema.

Embora hoje em dia seja mais fácil ouvir um "deixa natural, é tão bonito", isso não apaga um "você é tão bonita, pena que o cabelo não é liso" ou coisas do tipo que ouvi durante anos - E se você é do tipo de pessoa que pensa ou faz esse tipo de comentário, saiba que você está diretamente ligada ao fato da maior parte da sociedade ser um lixo. Isso soou um pouco cruel da minha parte? Saiba que o racismo é cruel e é ainda mais forte quando invisível, quando está disfarçado nas brincadeiras, nos elogios, nas piadinhas e nas risadas... Esse é um lado que quem só vê todo esse empoderamento crespo como moda, estilo, like no instagram e blusinha da Adidas não conhece. Mas por trás disso há luta, sofrimento e aceitação.

 Se hoje nós deixamos de passar química no cabelo pra tentar se igualar a capa da revista, não foi porque ninguém disse que é bonito, foi porque achamos nossa identidade perdida em meio a lama da padronização e embranquecimento populacional. Não adianta quererem reduzir toda essa luta e toda a história envolvida nisso á "Moda". Eu não estou vendo meu cabelo caindo, sem vida, quebrado e com duas texturas sorrindo, porque vocês resolveram aceitar, lucrar e achar bonito e sim, porque enfim aprendi que não dependo da aprovação de ninguém para ser o que eu realmente sou. E e é exatamente sobre isso. A transição capilar não é a bandeira do crespo ou cacheado. A transição capilar levanta a bandeira do ''Seja você mesmo, do jeito que você quiser''.

 Não é só o seu cabelo que está passando por uma transição. Você também está. Enquanto aguardamos ansiosamente pelo crescimento da nossa raiz capilar estamos aprendendo a ama-la e aceita-la. Há um tempo atrás eu não podia sequer, sentir a raiz do meu cabelo crescendo que já achava que estava na hora do famoso retoque. Hoje, após seis meses de transição, ela não está crescendo sozinha, pois com ela crescem também o amor próprio, auto estima, segurança e aceitação. Depois de muito trabalho interno foi fácil decidir passar pela transição. Difícil mesmo é entender como que a gente se deixa levar pelos outros. Nós desistimos de quem somos porque os outros não gostam.

Quando eu vejo essas mulheres e meninas crespas eu só consigo pensar no quão maravilhoso é ver o empoderamento negro tomando conta das nossas irmãs cada vez mais cedo. E sigo tentando entender o que acontece com a gente que eles conseguem nos convencer que cabelo crespo é feio e algo do que se envergonhar... Hoje eu só consigo pensar o contrário. Eu não sabia o que era beleza. Eu reproduzia um estereótipo. Todos os tipos de cabelos são bonitos, lindos e maravilhosos se bem cuidados. Porém, a gente só cuida corretamente quando a gente ama. Então, não adianta querer ter o cabelo mais bonito do mundo se essa tentativa for para agradar o outro e não a si mesma.

Ei, você que não quer deixar de alisar o cabelo! Estamos falando de liberdade. Portanto que esteja alisando por vontade própria e não por imposição social.  Nós, mulheres negras podemos ter o cabelo que quisermos, na cor que quisermos, tamanho que quisermos. Não importa. Repito, estamos falando de liberdade. Mas, se você que está lendo esse texto está pensando em entrar na transição, eu te digo que foi a melhor e mais dolorosa escolha que fiz nada vida. Estou me libertando do cabelo que tanto desejei ter. Consegui ter. Estou conseguindo abrir mão. Se eu consigo, você também consegue. Não vou dizer que é molezinha, porque não é. Tem dias que é super difícil. Não há penteado que dê jeito. São duas texturas e a vontade de cortar tudo é gritante. Mas, hoje em dia é muito mais fácil. Temos diversas opções para passar pela transição e quando você pensa que assumir seu crespo é muito mais do que estética, isso te dar uma força que você nem imaginava que tinha.

 A aceitação nunca acontece pela metadeOu você quebra um paradigma ou não quebra. Porque voltar ao crespo, mais do que qualquer outra coisa, é um movimento politico, do qual eu faço parte e levanto a bandeira com todo respeito e admiração. Não é só sobre se aceitar. É sobre externizar essa aceitação para que seu crespo sirva como uma fortaleza para outras mulheres se conscientizarem, se amarem e não se prenderem ao estereótipo que tentam nos impor. Então antes que me perguntem que cabelo é esse, já aviso de antemão, que além de tudo mencionado acima esse é o cabelo de uma pessoa que está tocando o Foda-se pro que você pensou dele ao ver essa foto”.

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 Eu entrei na transição capilar em janeiro de 2015 e escrevi esse texto em meados de junho do mesmo ano. Sempre que eu leio cada linha acima, eu consigo me lembrar como se fosse ontem de cada momento que eu sofri antes e durante a transição. Me lembro de nunca aceitar ir a praia ou piscina pra não estragar a chapinha, me lembro de ter colocado tranças e o famosos miojinho diversas vezes na infância e pré adolescência e pedir aos prantos para que minha tirasse aquilo da minha cabeça porque eu já não aguentava mais ser zoada de neguinha do tererê ou macaca na escola. Me lembro especialmente de uma noite, em que antes de dormir eu orei pedindo para que Deus desse inteligencia aos cientistas e fizesse com que eles inventassem uma pílula do cabelo liso, e caso se realizasse, eu ja me preparava para pedir que ele desse condições para que minha mãe comprasse.



Ser mulher negra aqui não é fácil, mas quando você descobre seus traços, sua ancestralidade, sua força e seu poder, Você abre espaço para o amor interior e o respeito a si mesma. Não vou dizer que hoje em dia eu tiro de letra. A auto estima da mulher negra oscila o tempo todo, tem dias que eu não quero nem me olhar no espelho, mas hoje eu estou ciente de uma coisa: Eu estou sendo eu! E é isso que importa! 

 *Essa é uma foto minha atual. No final desse mês eu completo 1 ano de BC
 * Não, eu não uso nada de química no meu cabelo atualmente. Tenho medo até de pintar e alterar a textura dos meus fios
 * Eu não sei dizer com exatidão qual é a minha textura capilar, meu cabelo é bem misto e varia bastante.

 Ass, Izy Castelano
Dados sobre a autora:
Instagram: @izycastelano
Twitter: @Izycastt

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