O RACISMO NO BRASIL QUE A GENTE NÃO QUER VER
Diariamente ouvimos por aí que não existe racismo no Brasil. Porém, ao mesmo tempo em que se ouvem coisas do tipo, é impossível negar que o racismo existe aqui e de forma explicita, diga-se de passagem.
Não é difícil você estar em um transporte coletivo e ver que enquanto um negro passa na roleta, o restante do ônibus disfarçadamente guarda o celular, aperta as bolsas contra si, olham desconfiados uns para os outros... Também não é incomum, perceber que quando uma pessoa negra de black power entra em algum estabelecimento, vira o centro das atenções ou alvo de comentários do tipo ''Será que dar pra lavar''? Nas lojas, quantos negros não são seguidos diariamente? Quem mora ou já morou em favela, sabe muito bem que, quando a policia sobe qualquer preto se torna o alvo principal.
Segundo a pesquisa do grupo de estudos sobre violência e administração de conflitos (GEVAC), o alvo principal da policia militar são homens jovens e negros. A mortalidade dos nossos jovens é 3x maior que a dos homens brancos. Isso é assustador, não é? Ou pelos menos deveria ser... Nós, mulheres negras não ficamos para trás, a nossa carne é a mais barata, espancada, hiper sexualizada, banalizada, estuprada e morta! Nossa taxa de homicídio é 2x maior que a de mulheres brancas.
Esses são apenas alguns dos reflexos que o preconceito oriundo do racismo e/ou discriminação racial causam na vida de uma pessoa negra no Brasil.
ENTENDENDO A DISCRIMINAÇÃO RACIAL
''A discriminação racial é uma atitude tão ingênua, que o racista se torna um perfeito idiota e não percebe. '' Guibson Medeiros
Discriminação:
1. Faculdade de discriminar, distinguir; discernimento
2. Ação ou efeito de separar, segregar, pôr à parte.
Discriminação acontece quando, há uma atitude separatista, específica ou diferente em relação a alguém. Uma pessoa pode ser discriminada por causa da sua orientação sexual, por causa das suas roupas, gênero, nacionalidade, e especificamente, por causa da sua raça ou etnia, o que chamamos de discriminação racial.
“Discriminação Racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e/ou exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública” art. 1. (ONU – Organização das nações unidas)
Ou seja, é um ato que quebra o principio de igualdade, é um tipo de preconceito que determina a posição do grupo oprimido nos fatores políticos, sócio econômicos, e também em relação ao convívio social, oportunidades e direitos.
Todas as pessoas, independente da raça e etnia tem direitos culturais, sociais e econômicos iguais. Porém, não é isso que a história e a realidade nos mostram.
A discriminação não é e nunca foi uma coisa rara, antes sofríamos com a escravidão e o preconceito hoje sofremos com a ''separação'' e preconceito. Ontem sofri, hoje ainda sofro, pois já nascemos com um ''lugar'' imposto na sociedade e apesar de hoje em dia termos uma legislação que garanta, ou que pelo menos, deveria garantir direitos iguais para brancos e pretos, sabemos que não é assim que a banda toca por aqui.
Se fosse, não teríamos tantos Rafaéis Braga atrás das grades.
E por que Rafael está lá? Por causa de um pinho sol que não é. O nosso sistema é racista, discriminatório e cruel. Ele está lá porque eles trabalham para nos encarcerar e matar, sem ao menos criar um álibi pra isso.
Como diz, Juscelina Nascimento, pertencente à fundação cultural Palmares - MinC:
“Os negros ainda são estatísticas nos registros de mortes violentas. No Brasil, entre cada 10 casos de excessos policiais, nove acontecem com negros. Também são os negros as únicas vítimas de equívocos policiais que resultam em constrangimento ou em morte; são eles os últimos a serem contratados e os primeiros a serem demitidos nas empresas; são os que percebem os menores salários - a despeito da igualdade de função exercida e da qualificação; são aqueles para quem sua cultura não pode ser convertida em benefício próprio; são as vítimas esquecidas de moléstias como glaucoma, falsemia, lúpus e albinismo; são aqueles a quem os professores desestimulam a ingressar na vida acadêmica, alegando a saturação do mercado; aqueles em quem se incutem a inviabilidade de cotas e outras políticas compensatórias - somos nós que vivemos a continuidade da discriminação racial vestida do manto sacrossanto da cordialidade, da gratidão eterna e da consciência dos nossos pares de reconhecerem a longínqua existência de um bisavô negro em sua árvore genealógica, que justificaria a ausência de discriminação racial no Brasil”.
Esse pequeno texto, traduz de forma ampla e abrangente o que vem a ser discriminação racial, ou quais os males que ela ocasiona na vida de um negro.
Discriminar alguém racialmente é humilhar, negar acesso, ofender, impossibilitar o acesso á bens comuns, negar oportunidades no campo de trabalho ou no setor acadêmico, impedir o acesso á saúde, moradia, e até mesmo ao consumo, por exemplo.
DEFININDO O PRECONCEITO
"O preconceito é um relativismo individual que resulta em consequências graves. As pessoas por acharem que são melhores começam a desmerecer as outras" (Maria das Dores Silva, Socióloga)
Preconceito:
1. Qualquer opinião ou sentimento concebido sem exame crítico.
2. Sentimento hostil, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância.
Preconceito é uma ideia pré-concebida, construída a partir de estereótipos sociais em relação a pessoas ou grupos. Então, podemos resumir que preconceito se dá quando, fazemos um julgamento rápido, superficial - E perigoso - Sobre alguém.
Ao contrário do que muitos pensam o preconceito não impulsiona o racismo, mas o racismo cria diferentes tipos de preconceitos.
DE CARA COM O RACISMO
“Nenhum racismo é justificável, mas o ressentimento dos negros é. Construiu-se durante todos os anos em que a última nação do mundo a acabar com a escravatura continuou na prática o que o tinha abolido no papel”. ( Luis Fernando Veríssimo)
Racismo:
1. Conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias.
2. Doutrina ou sistema político fundado sobre o direito de uma raça (considerada pura e superior) de dominar outras.
Vemos que o racismo é descrito como um tipo de preconceito associado à raça, características físicas ou etnias. Onde as pessoas denominadas como racistas, escoram- se na ideia de que são superiores aos demais. Esse tipo de preconceito afirma que algumas raças são superiores ás outras.
Podemos dizer também, que esse preconceito é um sentimento que vem de um condicionamento cultural.
Mais de 100 anos se passaram, e o racismo ainda continua intacto e perpetuado na nossa sociedade. Não esperávamos mesmo que acabasse de vez, mas, que pelo menos não fosse tão presente nos dias de hoje.
Bom lembrar que o racismo não foi inventado. Ele vem colecionando teorias e discursos ao longo dos anos, sendo implantado culturalmente de muitas formas, até mesmo religiosa.
Em uma visão teológica, por exemplo, Noé amaldiçoa seu filho (Onde muitos entendem ser negro) e diz que seu povo será escravizado pelo povo de seu irmão. Essa interpretação reforça que uma raça deve ter domínio sobre a outra.
Mais tarde, no século XVIII surgem as primeiras teorias racistas, quando a ciência passa a querer classificar a raça humana através da sua diversidade, usando como principal fator a pigmentação da pele.
O problema começa quando essa classificação passa a englobar características físicas, comportamentais, e morais, depreciativas para um grupo e valorizadas para outro grupo. É claro que a ciência nunca conseguiu confirmar que a quantidade de melanina ou a falta dela, são fatores que definem a personalidade, integridade ou capacidade intelectual de alguém. Porém, até hoje, muitos cultivam em seus imaginários que quanto mais melanina uma pessoa tem, mais inferior ela é.
Como no Brasil, não houve a existência de nenhum regime de segregação institucional (como a ‘‘Apartheid'' que houve na África do Sul e nos EUA), fica muito mais difícil as pessoas acreditarem, entenderem, ou simplesmente tirar a venda dos olhos, para enxergar que o racismo acontece diariamente. Olha que exemplo mais contraditório: Embora, a África do sul se encontrava vivenciando os últimos anos do regime apartheid, mais negros se formavam em medicina ou engenharia do que aqui no Brasil. E ninguém se escandaliza com isso.
Aqui as pessoas não se importam. Por aqui, as pessoas preferem fingir não acreditar que o racismo existe. Mesmo que velado, ele acontece, segrega e mata.
Brancos, nos trouxeram pra cá na marra, para servi-los, nos catequizaram, nos exploraram e até quando nos deram a "liberdade", continuaram a nos tratar como subalternos.
Até hoje, as pessoas tem na cabeça que uns (brancos) nasceram pra mandar e outros (negros) para obedecer, mas para essas mesmas pessoas, isso não caracteriza racismo ou discriminação racial, simplesmente porque, para elas, é natural que seja assim.
Vidas negras importam!
Para agravar ainda mais esse lance de ''Tapar o sol com a peneira'', por aqui existe uma coisa chamada ''Democracia Racial'', que nada mais é, do que um mito, retificado na obra ''Casa grande & Senzala'' pelo sociólogo Gilberto Freyre, que cria um ''Paraíso racial' ao falar da condição dos escravos que era tratados com ''suavidade'' pelos seus senhores e também ao falar da miscigenação, de um forma um tanto romântica, resumindo toda essa problemática á mistura de raças e intercambio cultural , defendendo assim, a ideia de que nosso país não é racista. Como se a miscigenação excluísse o preconceito, é colocado o manto do mito em cima do racismo e todo mundo fica feliz.
E pra piorar, partindo do principio, de que a igualdade existe por aqui, o negro é naturalmente inferiorizado ainda mais.
"você tem uma suposta igualdade, então se os negros vivem pior, se são miseráveis, pobres e analfabetos, é porque devem isso às suas próprias características", ( Sueli Carneiro, formada em filosofia e líder do instituto da mulher negra - Géledes)
E ainda há quem pense que racismo se resume á ofensas, quando na verdade estamos falando de um sistema de opressão.
Te convido a fazer uma ampla leitura sobre o período escravocrata do nosso país. Feita essa leitura, te faço uma pergunta, na qual você deve responder a si mesmo: Após 13 de maio de 1888, o dia em que a liberdade dos escravos foi concedida, por livre e espontânea pressão econômica, os negros passaram a estar de igual para igual com os brancos?
Depois de 350 anos de escravidão, um dia alguém assina um termo que os liberta! Seria uma maravilha, se eles não se vissem desamparados, sem casa, sem dignidade, sem respeito, sem educação, sem alfabetização, sem comida...
Pois é, porque agora seus senhores não tinham nenhuma obrigação com eles. A partir de agora os trabalhos seriam remunerados, chamaríamos de ''Emprego''. E você acha que esses empregos estavam sendo destinados aos ex-escravos? Não... Por que os dariam emprego se antes eles faziam tudo de graça? Que humilhação seria ter que passar a pagar seus escravos, né? Então, era melhor chamar mão de obra estrangeira. Europeus, pobres e brancos passavam a ocupar as vagas de emprego. E o governo? Estávamos ás portas da Republica e você acha que alguém pensou em algum projeto de inclusão social para aqueles negros que estavam pelas ruas do país desamparados? Será que agora eles passariam a ter acesso ao ensino formal? E posteriormente as vagas de emprego? Será que de um dia para o outro, passaram a os tratar como seres humanos? Será que no dia 14 de maio de 88 eles já estavam sendo tratados com igualdade e tendo as mesmas oportunidades e direitos que um branco tinha? Olha, até mesmo se você pensar nos dias de hoje, não fica difícil responder essas questões.
Quase 130 anos se passaram e cá estamos nós, precisando de cotas raciais para ocuparmos uma vaga no ensino superior. Podemos chamar isso de herança escravocrata. Vai além de eu ter estudado em escola pública a vida toda meu amigo. Porque, se eu fosse branca, de escola pública, ainda sim eu teria mais oportunidade do que uma mulher negra, simplesmente pela minha etnia.
Importante dizer que os que concorrem a esse tipo de vaga, não estão menos preparados dos que concorrem de forma ampla, porém eles não possuem a mesma facilidade que os demais para concluir o ingresso.
Contra fatos, não há argumentos.
Enquanto os negros forem a maioria da população e ainda assim fizer parte da minoria nas universidades, ou ainda assim seus salários forem até 30% menor do que uma pessoa branca mesmo ocupando o mesmo cargo, enquanto a maioria dos negros fizerem parte da classe econômica mais baixa do pais ou até mesmo enquanto continuarem sendo tratados com desigualdade, enquanto formos presos, mortos, espancados, humilhados e tantas outras coisas mais, vamos lutar!
É preciso continuarmos na luta! É preciso não descansarmos com algum avanço que já tenhamos conseguido.
Não podemos parar e vamos até o fim!
Enquanto continuarem a invisibilizar a questão do racismo no Brasil, ele continuara a ser tratado como um crime perfeito. Aquele que ao mesmo tempo em que é protegido é colocado em dúvida. E não podemos deixar que o racismo velado continue a se perpetuar.
Entramos no final de 2017 cientes de uma coisa: Os pretos estão se unindo, se amando e incomodando.
Mas, ainda é muito pouco.
Armados de coragem, tendo o conhecimento como munição e a união como a força, continuaremos resistindo. Agora, mais do que nunca. Até que todos entendam que as coisas vão ter que mudar!
Ass, Izy Castelano.
Dados sobre a autora:
Instagram: @IzyCastelano
Twitter: @Izycast
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