BLACK MUSIC: CINCO CANTORAS NEGRAS QUE VOCÊ DEVE CONHECER!

Quando falamos de voz e de música, é impossível não lembrar de cantoras que marcaram época como Whitney Houston, Aretha Franklin e, na atualidade, Rihanna ou Beyoncé. É sabido de que quando falamos em Black Music, logo trazemos à tona diversos aspectos que não só caracterizam esse gênero, como também demonstram a luta de um povo inteiro para manter suas raízes vivas. Para quem não sabe, ou está por fora do que estou falando, vou explicar: Black Music, ou Música Negra é o nome dado ao conjunto de gêneros que se fazem emergir a partir de influências da musicalização africana. A música africana, tal qual suas nuances que se diferem em muitos aspectos da cultura vigente nos países colonizados, foi trazida pro lado de cá do Atlântico pelos negros escravizados, sendo aperfeiçoada e se aflorando para diversos e variados gêneros: desde o Blues (gênero genuinamente preto) até o Rap e Hip Hop. O movimento que representava todo um povo tal qual sua cultura, ancestralidade, forma de afeto e descontentamento pelas diferenças étnico-raciais e diversas questões de época, fez a Black Music explodir com força nos Estados Unidos, pois esse tipo de música não se reduzia a um padrão ritmo e melódico: havia profundidade, carinho e acima de tudo, dor. A Black Music foi a única forma de gritar nossas dores por muito tempo e é difícil encontrar algum idoso, adulto, jovem ou até criança - negros - que não foram inspirados ou afetados por esse grito que ecoa ainda hoje com maestria pelos nossos brilhantes cantores. Baseado nisso, deixarei aqui uma lista com 5 cantoras negras que compõem a black music que você deve conhecer!



5. ELLA FITZGERALD



Ella Jane Fitzgerald, também conhecida como "A primeira dama da canção" nasceu em 25 de Abril de 1917, em Newport News, na Virgínia. Lady Ella teve uma infância bastante conturbada devido a uma série de eventos traumáticos que viriam fazê-la desenvolver doenças graves como a depressão. Após ser abandonada pelo marido - que fugiu com uma amante - Temperance, mãe de Ella, mudou-se para Nova Iorque para recomeçar sua vida. Chegando lá, envolveu-se com um português que mais tardiamente viria a agredir e humilha-la, assim como também fez com Ella, que ficou sob seus "cuidados" após a morte de Temperance, por infarte. Nesse período, Ella abandonou a escola devido a problemas com a depressão, passou a se dedicar em tempo integral da sua irmã mais nova e, terminou fugindo com ela para a casa de um tia não aguentando mais as agressões do padrasto. Após anos na companhia da tia, passou novamente por situações traumáticas, que culminou no abandonamento de Ella, após sua tia deixá-la em um colégio interno. Saindo de lá, e sem ter pra onde ir, Ella se envolveu com atividades ilegais e acabou indo pro reformatório, de onde fugiu posteriormente voltando a viver na rua. Passado algum tempo procurou sua professora de piano, que a abrigou e a incentivou a se inscrever em um concurso local, no Teatro Apollo do Harlem. Ella não só se inscreveu como ganhou o concurso com sua voz potente que, absurdamente atingia três oitavas, passando assim a ter um público fiel às suas apresentações posteriores. Participou de big bands e estorou com sua música, fazendo-a ser eleita, muitos anos depois, como a melhor cantora do século XX.

Ella se destacava pela pureza na sua entonação, pelos seus agudos brilhantes e metálicos, com um alcance de três oitavas que a permitia passear e renovar as músicas com o seu toque de especialidade, pela sua dicção e pelos seus whistles, que a permitiam emitir sons semelhantes a instrumentos de sopro, com a voz. Venceu 14 grammys, medalhas presidencias e a Medalha Nacional das Artes do presidente Ronald Reagan. Ella Fitzgerald teve uma brilhante carreira de 59 anos, morreu em 1996, aos 79 anos, porém deixa o seu legado até hoje e serve de inspiração a todos os admiradores da Black Music!



04. BILLIE HOLIDAY



Eleanora Fagan Gough nasceu em 7 de Abril de 1915, em Filadélfia, na Pensilvânia. Teve uma infância bastante difícil por ser filha de pais adolescentes, foi abandonada ainda criança pelo pai, que era guitarrista, quando ele seguiu viagem com uma banda de Jazz. Americana, pobre e negra, Billie passou por muitos sofrimentos, tendo, dentre muitas coisas, que trabalhar desde cedo. Foi violentada sexualmente, internada em uma casa para meninas vítimas de abuso e, quando saiu, teve que trabalhar limpando o chão de prostíbulos, onde, aos 14 anos, caiu na prostituição. Holiday nunca estudou música formalmente, sendo seu único instrumento de aprendizado os artistas que compunham o cenário do Jazz. Com muitas contas atrasadas e vivendo sob uma realidade extremamente precária, Billie sai a procura de emprego onde, em um dos bares do Harlem, consegue emprego como cantora fixa. Gravou seu primeiro disco após atrair atenção do crítico musical John Hammond, com a big band Benny Goodman. Decolou a partir daí, consagrando-se com inúmeras orquestras e apresentações brilhantes que a deixaram conhecida como uma das maiores cantoras de Jazz de todo o tempo.

Billie se destacava pela sua voz extremamente flexível, que a permitiam brincar com quaisquer que fossem os sentimentos que a música desejasse passar. Sua voz sutil e extremamente angelical com uma leve rouquidão, sua dicção perfeita e sua entonação devido à sua flexibilidade, a possibilitava de levar suas interpretações a um outro nível, com profundidade, força e, por vezes, sensualidade. Billie Holiday, conhecida também como Lady Day, morreu em 17 de julho de 1959 por problemas pulmonares e insuficiência cardíaca devido a uma cirrose hepática. A vida de Holiday é uma inspiração para todos os artistas negros e seu legado será lembrado eternamente como uma forma de afincar o canto negro como algo essencialmente maestral.



3. ROBERTA FLACK



Roberta Cleopatra Flack nasceu em 10 de fevereiro de 1937, em Ashville, na Carolina do Norte. Filha de organista de uma igreja protestante, Roberta teve seu primeiro contato com a música nesse meio. Desde pequena foi incentivada a estudar música, aprendeu a tocar, se aperfeiçoou no canto, e formou-se em música na Universidade de Howard. Após formada, passou anos se apresentando em casas noturnas, quando foi descoberta por Less MacCam, que assistiu uma de suas apresentações em Washington, assinando contrato em 1969 com a Atlantic Records. Gravou o primeiro ep, chamado First Take, porém, embora tenha sido reconhecido, não fez com que a carreira de Roberta decolasse. Seu sucesso só veio após a composição de dois dos seus maiores hits, "First Time Every I Saw Your Face" e "Killing Me Softly With His Song". First Time Every I Saw Your Face foi trilha sonora do filme Play Musty For Me, o que fez com que ela permanecesse seis semanas consecutivas em primeiro lugar nas paradas de sucesso em 1972.  Em 1973, após o lançamento de Killing Me Soflty With His Song, permaneceu cinco semanas nas paradas da Billboard, conquistou três grammys e a canção foi tida como a música do ano. A cantora fez um álbum de duetos com Donny Hathaway, recebeu uma estrela na calçada da fama em Hollywood, e fez uma lendária turnê, em 1999, pela África do Sul, quando conheceu Nelson Mandela. Seu último trabalho é de 2012, quando a cantora gravou um álbum dedicado à versões de músicas da dupla John Lennon e Paul McCartney.

Roberta Flack se destaca pelo seu jeito único de cantar. Pela sua voz doce, leve, suave e extremamente forte. É uma cantora extremamente flexível, uma pianista sublime e nos presentou não só com músicas mas também com versões extremamente melhoradas.



2. ARETHA FRANKLIN



Aretha Louise Franklyn nasceu dia 25 de março de 1942, em Memphis, no Tennessee. Filha de um pregador multívago da Igreja Batista, Aretha cresceu dentro da igreja e foi lá onde ela iniciou-se no canto. Com apoio dos seus pais e com sua influência na música gospel, Aretha dá os seus primeiros passos na indústria da música. Em 1956, aos 14 anos, grava o seu primeiro álbum, "Song of Faith". Após não ter tido o reconhecimento esperado e, decidida entrar na música secular, Aretha muda-se pra Nova Iorque, onde grava singles e faz os seus primeiros contatos com as gravadoras da cidade. Com uma voz excepcional, não demora muito tempo até Aretha despertar interesse em muitas gravadoras, dentre elas a Motown Records, especializada em Black Music. No entanto Aretha decide assinar contrato com a Columbia Records, onde passou a trabalhar com John Hammond, que também trabalhou com a Billie Holiday, que já citamos na lista. Entre cinco anos (1961 - 1966) Aretha lança 9 albuns, no entanto não atinge novamente o sucesso esperado. Via-se em Aretha uma voz forte, característica da black music, refletia nela todo o legado de suas antecessoras e os seus produtores passaram a incorporar mais na obra dela traços do blues, jazz e R&B. Em 1967 Aretha migrou para a Atlantic Records, gravando "I Never Loved A Man The Way I Love You", conquistando assim o início do seu estrelato que viria com "Respect" que atingiu o primeiro lugar não só nas paradas de R&B, mas também nas paradas pop, tornando-se anos depois, música ícone da luta pelos direitos civis das mulheres e sobretudo da mulher negra. Aretha Franklin continua em atividade até a atualidade e é considerada pela Rolling Stones como a melhor cantora e a nona maior artista de todos os tempos.

Aretha se destaca pela voz extremamente adaptável, forte e potente, pela habilidade no piano e por suas interpretações extremamente viscerais e grandiosas. É uma mezzo soprano, porém tem uma extensão extraordinária e facilidade em transitar não só nos agudos, como também nos graves. Aretha sempre abraçou suas origens afro-americanas na hora do canto e na hora de vender sua imagem. É considerada um ícone na música negra e tida com a "voz dos direitos raciais" e da "igualdade étnica". Aretha possui 21 Grammys e é a segunda artista a possuir mais prêmios na história.



1. NINA SIMONE




Eunice Kahtleen Waymon nasceu dia 21 de fevereiro de 1933, em Tryon, na Carolina do Norte. Eunice é a sexta filha de oito filhos de uma família negra e pobre dos Estados Unidos. Desde pequena demonstrou interesse por piano, porém em um período segregacionista, ficava difícil arranjar uma professora que pudesse lhe ensinar a tocar; isso não foi empecilho para Simone, que cruzava a barreira racial para ter suas aulas, logo, mostrando grande talento com o instrumento, ela começa a se apresentar em igrejas locais. Simone frequentou a Allen High School for Girls em Asheville na Carolina do Norte com ajuda de fundos locais e de bolsas. Depois do ensino médio, estudou para uma entrevista no Curtis Institute, porém mesmo conseguindo pontuações máximas, foi rejeitada por conta da cor da sua pele e isso foi o pontapé inicial para que Simone se envolvesse mais tardiamente na luta pelos direitos civis de pessoas negras. Assim, após ser rejeitada, Simone mudou-se para Nova Iorque e estudou na Juilliard's School. Com a finalidade de custear suas aulas particulares, Eunice Kahtleen começou a se apresentar em casas noturnas, principalmente na Midtown Bar & Grill, em Atlantic City, onde se iniciou na arte do canto e adotou o nome artístico de Nina Simone - Nina vinha de Niña, garotinha em espanhol e Simone da atriz francesa Simone Signoret. Em 1958, Simone casou-se com um artista de feira, embora tenha se arrependido do casamento meses depois. Gravou "I love you, Porgy" que logo se tornaria a sua canção a alcançar o top 20 na Billboard, sendo que seu álbum posterior "Little Girl Blue" logo foi aclamado pela crítica fazendo Simone uma artista que começara a emergir no cenário jazzístico e de blues. Fazendo sucesso com o "Little Girl Blue" Simone assina contrato com a gravadora Colpix Records, lugar onde Simone gravou diversos álbuns que serviram como forma de custeio para que ela continuasse seus estudos clássicos, porém, em 1964 Simone se muda e vai para a gravadora holandesa Phillips, sendo que essa mudança marca um período importante de transição na carreira de Simone. Sempre influenciada pela sua origem afro-americana, Simone agora passara a tratar questões de raça nos seus álbuns, sendo que "Mississipi Goddam" foi percussora de uma série de singles que denunciava o cenário de opressão que acometia todo o povo negro estadunidense. A música "Mississipi Goddam" era uma resposta ao assassinato do ativista afro-americano Medgar Evers, tal qual a explosão em uma igreja que culminou na morte de quatro crianças negras, assim como o single "Old Jim Crow" referia-se diretamente às leis de Jim Crow. Simone então assumia um espaço importante na luta pelos direitos civis americanos, e embora tivesse uma visão diferente da de Martin Luther King (Simone defendia uma revolução violenta e armada, onde os negros pudessem formar um estado próprio e só assim conseguir sua emancipação enquanto povo), participou de eventos importantes onde o mesmo estava à frente como as marchas de Selma a Montgomery. Desde então, Simone dedicou suas escritas e interpretações à temas majoritariamente pretos, como a falta de senso de orgulho da mulher afro-americana, o linchamento dos homens negros no sul e os esteriótipos da mulher negra que precisavam ser destruídos. Em 1993 mudou-se para o sul da França e estabeleceu-se por lá. Morreu dormindo em 2003, aos 70 anos, devido a complicações causadas pelo seu câncer de mama.

Nina Simone se destacava pela voz e principalmente por sua habilidade no piano. Foi e continua sendo uma grande inspiração para todos os militantes negros que lutam contra a supremacia branca. O legado de Simone permanecerá pra sempre dentro de cada pessoa negra, pois ela foi a pioneira não só da luta negra como também da luta negra e panafricanista na América. Sua mistura jazzística com blues faz de Simone uma das maiores artistas de todo o tempo. Sensível, forte e guerreira, o legado de Simone jamais será esquecido, principalmente por aqueles que compreendem a sua importância no cenário musical para a microfonação do desconforto daqueles que não tinham voz. Salve, Miss Nina Simone!





ALGUMAS DAS MELHORES APRESENTAÇÕES DAS CANTORAS CITADAS:


Ella Fitzgerald - Cry me a river



Billie Holiday - My Man



Roberta Flack - Killing me softly




Aretha Franklin - Respect




Nina Simone - Ain't Got No, I Got Life








Material de apoio:
http://www.ellafitzgerald.com/
http://www.billieholiday.com/
https://www.biography.com/people/aretha-franklin-9301157
http://www.ninasimone.com/
Documentário "Whats Happened, Miss Simone?"


Por Icaro Silva.




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