DEVOLVAM NOSSO DIREITO DE SENTIR
Há duas semanas minha amiga me ligou chorando perguntando o que tinha de errado com ela e porquê o preto que ela estava afim não tinha respondido suas mensagens. Há 18 anos eu sempre me pergunto, depois uma conversa com qualquer pessoa que eu sinta amor e carinho, por que eu não disse o que realmente pensava. Há dois dias eu penso como demonstrar melhor o que eu sinto por aquele que me faz bem, e não está sendo fácil.
Utilizando da desculpa astrológica, eu como boa canceriana que sou, penso que meus sentimentos vivem a flor da pele a todo momento, porém àqueles que, supostamente, recebem e presenciam tais sentimentos dizem que eles raramente são demonstrados. Confesso que receber essa noticia não me deixou feliz, tampouco aliviada, me deixou preocupada.
Mesmo minha mãe mandando eu segurar o choro desde pequena, e meu pai dizendo que eu nunca tive motivos reais para reclamar, eu sempre senti muito, porém demonstrar nunca foi meu forte. Em uma pequena pesquisa entre pessoas pretas, perguntei qual a dificuldade delas em expressar sentimentos e demonstrar emoções, e mais de 60% dos que responderam disseram que possui dificuldade em se expressar emocionalmente. E quando digo de sentimentos não me refiro apenas a emoções em relações afetivas, digo de sentimentos sendo demonstrados a amigos, familiares ou até a si próprio.
Já pararam pra pensar em como é complicado ter uma relação interpessoal sendo uma pessoa preta? Uma relação de afeto e carinho baseada na transparência de sentimento? Já parou pra pensar em como é difícil ter uma relação solida familiar ou afetiva sendo preta? Já parou pra pensar em quantas vezes sua mãe pediu pra você engolir o choro ou disse que pessoas fortes não demonstram sentimentos? Ou em como é difícil ouvir da sua mãe e/ou do seu pai um “eu te amo”? Ou até seus próprios amigos e namoradx?
“Cara, NENHUM dos muleques que cresceram comigo sabem dizer eu te amo, e nem se abraçam”*
Em “Vivendo de Amor” , Bell Hooks explica como para nós, povo preto, demonstrar carinho e afeto sempre foi algo contra nossa sobrevivência. Nesses escritos, ela explica que a nossa retirada de Afrika não nos distanciou apenas da ancestralidade, mas também do nosso direito de sentir. Mulheres negras tinham de segurar o choro e a emoção ao ver seus maridos e filhos sendo espancados pelo senhor de engenho, e esses tinham que ver suas mães e companheiras sendo abusadas pelos seus senhores. Bell Hooks conta como, mesmo após a “abolição” da escravatura, nossa dificuldade de demonstrar carinho aos nossos permaneceu. O tratamento que um ex escravo recebia era repassado aos seus filhos e sua família como um todo, como um efeito dominó.
A cena de violência que era recorrente na época de escravatura, se repete no período pós abolicionista com a forte onda de prisões arbitrárias e grandes traços de uma cultura racista. Com um dos pilares políticos serem o embranquecimento da população brasileira, começa o genocídio do povo preto e a necessidade de pessoas pretas lidarem com um luto constante, o mesmo luto de perda de parte da família que pairava no período da escravidão. E com isso vemos a falta de laços sentimentais entre pessoas pretas, seja eles no sentido familiar, amoroso ou fraterno, nos distanciamos da demonstração do que sentimos, mesmo que sentimos muito, por pura sobrevivência própria e do outro.
"Desde sempre nós somos muito fechados uns com os outros, a visão que a maior parte das pessoas negras tem, é que demonstrar esses sentimentos é fraqueza. Eu me lembro quando tive depressão e meu irmão dizia que 'isso é doença de branco'. Hoje em dia percebo que ele tem depressão e provavelmente não consegue aceitar isso."*
Criamos uma barreira emocional e afetiva entre e para os nossos por sermos fruto de toda essa estrutura. Aprendemos a sentir dor sem demonstrar, a sentir tristeza com um sorriso no rosto e a superar mesmo que falsamente. Aprendemos a sermos fortes acima de tudo, e a suportar toda e qualquer dor sem reclamar. Todo e qualquer ato e manifestação de sentimentos dos nossos aos nossos é um ato revolucionário, até porque isso nada mais é que uma necessidade de expor e responder ao Estado que nos retirou até a sensibilidade emocional de que ela ainda existe, que ainda temos sentimentos.
Reaprenda a amar, reaprenda a receber amor. Permita-se sentir. A revolução também é não segurar uma lagrima.
*trechos retirados de uma conversa informal com um homem preto
Ass: Pryscila
Criamos uma barreira emocional e afetiva entre e para os nossos por sermos fruto de toda essa estrutura. Aprendemos a sentir dor sem demonstrar, a sentir tristeza com um sorriso no rosto e a superar mesmo que falsamente. Aprendemos a sermos fortes acima de tudo, e a suportar toda e qualquer dor sem reclamar. Todo e qualquer ato e manifestação de sentimentos dos nossos aos nossos é um ato revolucionário, até porque isso nada mais é que uma necessidade de expor e responder ao Estado que nos retirou até a sensibilidade emocional de que ela ainda existe, que ainda temos sentimentos.
Reaprenda a amar, reaprenda a receber amor. Permita-se sentir. A revolução também é não segurar uma lagrima.
*trechos retirados de uma conversa informal com um homem preto
Ass: Pryscila
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